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Como foi a experiência de ir ao primeiro show na Nova Zelândia depois da pandemia

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Sexta-feira, 3 de julho, marcou uma data importante na história de shows ao vivo – pelo menos na Nova Zelândia.

O primeiro show ao vivo, em uma arena, para seis mil pessoas, após a pandemia de covid-19. Nada interessante, se esquecermos que isso aconteceu enquanto o resto do mundo está em fogo, graças ao covid-19. Sem regras, sem distanciamento social. Sem preocupações com contaminação em grupos. O primeiro show ao vivo, em massa, em um país que foi bem sucedido no achatamento da curva.

A Nova Zelândia entrou em nível 4 de quarentena (“lockdown”) no dia 25 de março, quando o número confirmado de casos chegou a 100. Para quem mora aqui, foi como um filme de ficção científica.

Ninguém na rua. Tudo fechado. Escolas, empresas, comércio (exceto pelos essenciais, como supermercados e hospitais, por exemplo). Apenas um membro de cada família autorizado a sair para compras e essenciais. Esses grupos de isolamento ficaram conhecidos como “bolhas” (um grupo dentro da mesma casa = uma bolha) e essas bolhas não tinham permissão de interagir fisicamente com outras bolhas.

Foto: Tatiana Wise

E assim ficamos, até 28 de abril. Depois disso, algumas “bolhas” poderiam se associar, mas em grupos com o máximo de 10 pessoas. Em 14 de maio, chegamos ao nível 2, aonde congregacões de 100 pessoas foram permitidas. E assim ficamos, até o dia 8 de junho.

Não existe mais evidência de contaminação entre comunidades, e desde o início da quarentena, todos que entrarem no país são levados a hotéis para 14 dias de quarentena e testes, fundados pelo governo. No momento temos 18 casos – mas todos ainda estão presos em hotéis na “fronteira”, apenas sendo liberados quando o segundo teste é negativo.

O segredo? Dizem que o fato do governo ter agido no estilo “hard and fast”, ou seja: direto ao ponto, ativo e antes que o contágio estivesse fora de controle foram as escolhas corretas. Mas não se pode ignorar o que o país fez como um todo: obedecer ao pedido, cumprindo a sua parte. Esses elementos, combinados, mostram até agora o motivo de sucesso no ataque contra à pandemia.

Parece simples, mas quase dois meses de quarentena causaram mudanças enormes no país (entre economia, emprego e outros fatores, aos quais eu os pouparei) – mas como no resto do mundo, artistas sentiram o baque de terem shows cancelados, adiados e por aí vai. E quando a situação se estabilizou, a necessidade de um evento pra liberar a tensão entre os residentes se intensificou. Jogos de rugby tiveram um aumento em audiências, sendo um dos únicos países a terem campeonatos com presença de grupos enormes no mundo.

Mas nem todo mundo gosta de esportes.

Com cancelamentos e reagendamentos de atos internacionais, como Tame Impala (esse doeu, pois Khruangbin era a banda de abertura, agora cancelado), Violent Femmes, The National, Patti Smith, Cowboy Junkies, Harry Styles, Iron Maiden – acredite, a lista é infinita – e mesmo agora, com o fim da quarentena ainda obrigando qualquer pessoa entrando no país a uma quinzena de quarenta forçada, a possibilidade do primeiro concerto em arena acabou sobrando para bandas nacionais.

E é aí que entra o L.A.B.

Foto: Reprodução Facebook

L.A.B. é o fruto da união entre Brad e Stu Kora (os “Kora brothers” são quatro, incluindo Francis e Laughton – famosos no país por seus prodígios, aventuras e projetos musicais). Junto com Joel Shadbolt, Ara Adams-Tamatea & Miharo Gregory, ficaram famosos nos últimos dois anos no circuito de festivais de verão pelo seu repertório de reggae (sinais de sua existência chegam a aparecer em 2015). E com a fama, também cresceu a sua versatilidade.

Cada membro aos poucos contribuiu com os seus gostos musicais, e a banda cresceu no circuito neozelandês, especialmente após o lançamento do seu segundo álbum (L.A.B II) por não se enquadrarem apenas em reggae, mas por explorarem blues, funk e rock. Essa escolha abriu os horizontes da banda para o resto do país, aonde todo mundo, independente do gosto musical, tem uma faixa favorita (hora de admitir: meu marido foi o primeiro a ouvir a banda, mas me irritava ao tocar apenas as faixas reggae deles, até o dia em que os vi ao vivo pela primeira vez – em tempos pré-covid. E descobri que o estilo deles era muito mais eclético. E em retorno, a banda encontrou fãs como eu.

Antes da crise mundial, eles tinham um show agendado num club famoso aqui em Auckland, o Powerstation, com capacidade para 800 pessoas, o que é algo comum pra uma banda nacional. Clubes pequenos durante o ano, e os festivais durante o verão. Mas aí a quarentena chegou. A diferença, no entanto, é que a demanda foi crescendo, e o show foi transferido para o Town Hall (capacidade em média de 1.500 pessoas), data pendendo o fim do lockdown.

Aí a quarentena acabou, e a demanda ficou ridícula. Foi quando os responsáveis pelo Spark Arena negociaram o espaço (limitado, a capacidade é para 12 mil pessoas em shows internacionais – esse foi para seis mil) e mais ingressos foram liberados – e esgotados em questão de dias. A essas alturas, a impressão é de que os kiwis queriam qualquer coisa pra poder festejar – e essa era a primeira oportunidade que não envolvesse rugby.

Não vou mentir, estávamos contando os dias pra um show, considerando que passamos seis meses sem ver algo ao vivo – o que é uma eternidade, ainda mais quando você joga a quarentena em cima.

Ao chegarmos na arena, tudo parecia normal, como se nada tivesse acontecido nos últimos 4 meses. Até você entrar e ver as garrafas de gel sanitário em mesas e nos balcões dos bares, e o lema da arena em espelhos de banheiros “wash before you mosh” (em tradução grossa: “Lave as mãos antes de ir pro mosh”, pelo menos por 20 segundos, diga-se de passagem. E não esqueça de secar também!). Afinal de contas, esse é o mundo pós-covid, goste ou não.

Foto: Tatiana Wise

Existe até um nível pequeno de culpa – só precisamos nos preocupar em lavar as mãos e nada mais, enquanto o resto do mundo está se descabelando com a crise, abrindo e fechando assim que uma nova onda ocorre.

Aí eu me lembro o que fizemos – e que se dane.

Entre os shows de abertura, Troy Kingi & The Uperclass. Troy, ator e cantor, se esbaldou no palco como deveria, na primeira oportunidade de tocar ao vivo com audiência, ao som de seus álbuns estilo funk Guitar party at uncle’s Bach (2016) e Shake that skinny ass all the way to Zygertron (2017). Uma pena que os engenheiros de som tenham esquecido de fazer a lição de casa e ajustarem o microfone dele corretamente, já que quase não conseguíamos ouvi-lo.

Foto: Tatiana Wise

Quando L.A.B. subiu no palco, ficou claro que não economizaram no orçamento de luzes, telas e efeitos. Mas foram um complemento perfeito para a banda, que mostrou o motivo ao qual tiveram que mudar de local duas vezes devido à demanda. Um show energético, cheio de talento e interação com a platéia. É uma celebração ao trabalho duro de um país pequeno num cantinho do mundo. Um contínuo “obrigado pelo seu esforço”. A melhor forma de celebração em grupo, em minha humilde opinião.

Para quem quiser ter uma ideia do repertório, comece com In the air (2019), o primeiro lançamento local independente a alcançar o topo das paradas (Top 40) desde Feel inside (And stuff like that), disco do Flight Of The Conchords (2012). E o primeiro lançamento geral a conseguir esse posto desde Green light, da Lorde, em 2017. Outras faixas incluem Ain’t no use e Rocketship.

Foto: Tatiana Wise

Quando as resenhas saíram no dia seguinte, os textos afirmavam o que todo mundo sabia, mas não haviam admitido: esse foi o melhor show ao vivo, de uma banda local, para celebrar o retorno ao normal.

Tá certo que esse normal é diferente. Mas chegamos lá. Antes do resto do mundo.

Foto: Reprodução Facebook

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