Cultura Pop
Por que “Life on mars?” (David Bowie), uma canção de 1971, faz 50 anos em 2023?
Apesar de ter sido lançada no disco Hunky dory, o quarto de David Bowie, de 1971 (já contamos histórias desse disco num texto aqui do site), Life on mars? é, para muitos fãs do cantor, uma canção de 1973. Isso porque logo que Bowie fez sucesso com o disco The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars, a RCA fez uso da canção para aproveitar a fama enorme e repentina do cantor e a lançou em single – e foi justamente há 50 anos, no dia 22 de julho.
Tem quem considere Life on mars? a música mais bonita já feita no mundo. Motivos para isso não faltam: a letra e a melodia escritas por Bowie, os arranjos de cordas e os solos de guitarra de Mick Ronson, o piano de Rick Wakeman (então um músico desconhecido a ponto de ter gravado em 1971 um álbum de solos de piano sem seu nome, e de ter recebido migalhas por isso). A grandiloquência do final, com orquestra e tímpanos. E o barulho de telefone encerrando a canção. Sim, ele está lá, e aconteceu porque o banheiro o estúdio Trident (por acaso o local onde Ronson decidiu como cada violino, viola ou violoncelo soaria na gravação) tinha um aparelho, que às vezes tocava durante as sessões. O produtor Ken Scott explica a história nesse vídeo abaixo.
A balada glam inicia falando sobre uma garota que vai ao cinema para fugir de sua realidade frustrante – as frustrações de adolescentes e suas turmas eram um tema recorrente no rock desde os anos 1950, que passou de sapato alto nos anos 1960 (Beatles, Rolling Stones, Who, Kinks) e retornava forte no desencanto pós-hippie. Cada um tem sua interpretação de boa parte da letra, claro. Mas versos como “está na testa torturada da América/que Mickey Mouse cresceu como uma vaca/agora os trabalhadores buscaram a fama/porque Lennon está à venda novamente” dão, particularmente falando, a sensação de jornais abertos de manhã, notícias no rádio, nenhuma emoção especial, ninguém que olhe no olho da personagem da letra e enxergue-a como ele é.
Essa é por sinal, a visão do autor: “Acho que a personagem da letra se sente desapontada com a realidade. Embora esteja vivendo no marasmo da realidade, lhe dizem que há uma vida muito melhor em algum lugar, e ela está amargamente desapontada por não ter acesso a ela”, contou em 1997.
Life on mars?, de certa forma, está um tanto mais próxima de Ziggy Stardust do que se imagina, e não apenas pela menção a Marte – e isso apesar do som de Bowie ter mudado bastante entre 1971 e 1972. O conceito de Ziggy já estava em pleno andamento quando a canção foi gravada (as sessões de Ziggy tiveram início em julho de 1971, Life foi gravada em agosto) e Bowie chegou a falar do quinto disco até mesmo em uma entrevista de divulgação de Hunky. A canção esteve presente no set list da turnê de Ziggy Stardust e era bastante aplaudida – o que com certeza motivou a RCA a voltar atrás e ver ali um hit tardio. Que também ganhou um clipe feito por Mick Rock, trazendo Bowie maquiado e usando um terno turquesa.
O clipe foi um dos redesenhos feitos na imagem antiga de Bowie, que incluiu também a redescoberta do primeiro hit, Space oddity, e o relançamento de seu segundo disco, epônimo (1969), com foto da era Ziggy. Marcando a mudança e descoberta pelo público, o clipe de Life on Mars? mesclava imagens de Bowie com alguns segundos de seu público ao vivo, com os fãs estendendo as mãos para ele (um recado que levava à letra de Rock and roll suicide, com o verso “you’re wonderful/give me your hands”). Anos depois, o vídeo foi remasterizado e reeditado sem as tais cenas. Provavelmente foi essa versão que você viu – mas os fãs antigos de Bowie se recordavam da edição antiga, que passou até na TV no Brasil.