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POP FANTASMA apresenta JuPat, “Nadando com peixes que voam”
Misturando estilos como trip hop, reggae, dub e hip hop em seu segundo disco autoral, Nadando com peixes que voam, a cantora, compositora e produtora JuPat, de Piracicaba (SP), teve um encontro especial durante a elaboração do disco. Conheceu a cantora e compositora Tamy Tectoniza (que apareceu outro dia aqui mesmo no POP FANTASMA APRESENTA, com seu primeiro EP solo, Magma lacrimal) e, admirada com a vibe e a musicalidade dela, chamou Tamy para participar da música Derreter.
A ligação musical evoluiu para a colaboração de JuPat no disco de Tamy. E para o namoro delas. Do término dos trabalhos, o isolamento por causa da pandemia do coronavírus cuidou, já que as duas se isolaram em casa para concluir os álbuns.
“A parceria então se estendeu, ganhamos novas referências e inspirações, acompanhando de perto nossos processos, aquela coisa de escrever umas linhas e já ir mostrar uma pra outra, já se juntar pra gravar os rascunhos. Eu estava no processo também de aprender o básico de gravação, edição, mixagem e masterização, para conseguir criar e produzir tudo aqui em casa (como nossos discos foram feitos) e acabei ajudando nessa parte do EP dela. E ela me ajudou nas inspirações e no modo de pensar a arte que ela tem, que é muito livre e independente, do it yourself“, recorda JuPat. “E é claro que essas vivências influenciaram também nas composições, nossos trabalhos falam muito de amor e de relações, cada uma da sua forma, e é inevitável que ela não tenha permeado muito do meu disco”.
No primeiro disco, Toda mulher nasce chovendo (2018), JuPat era uma artista mais ligada ao universo do hip hop. “Apesar de ter o rap como chão, o lugar que eu aprendi a criar e compor, eu nunca fui mulher de me prender a um só gênero. A estética do rap foi fundamental no meu primeiro disco e fez muito sentido ali, quando eu precisava dessa força que o rap tem, da resistência por excelência, da música feita cantada pelas vozes que nunca foram ouvidas”, conta. No meio da gravação, foram aparecendo climas mais relaxantes, como o do reggae Alive. Não era o gênero musical que ela mais ouvia, como JuPat esclarece.
“Na verdade, não, eu sou bem promíscua musicalmente. Mas é claro que tem, sim, muita influência do reggae, eu já estive na Jamaica e é impossível não carregar ela pro resto da vida, o tempo lá corre em outro ritmo. E acho que o que define o que eu mais tenho ouvido ultimamente são músicas nesse clima relaxado que você citou, com esse tempo mais lento, mais ‘brisadas’, que te levam a uma imersão, a uma fuga do ritmo acelerado desses tempos, que tem muito no reggae, mas que me pega também em outros estilos”, diz ela, citando Neil Young (On the beach), Durand Jones & The Indications (com Is it any wonder?),além de nomes como Cigarettes After Sex, Faye Webster, Bernardo Bauer.
“Claro que o Nikolas Chacon, meu rasta boy do coração e produtor desse disco, acabou trazendo muito desse clima no disco também”, conta ela que uniu convidados variados no novo álbum. “Sou muito feliz de ter conseguido reunir universos tão distintos nesse mergulho, desde as melodias mais essenciais e livres do Dandy Poeta, ao rap puro, único e bicha do Warllock, às profundidades vulcânicas da Tamy Tectoniza, à entrega transbordante da Zara Dobura, ao freak melódico sensual do Allure Dayo”.
Nadando com peixes que voam já traz no título a necessidade de não se prender a gêneros. É algo que JuPat vive em sua própria história, e que vai além da música.
“Foi pela música que eu me tornei a mulher que sou hoje”, conta. “O primeiro disco me permitiu nascer e me deu a força que eu precisava ter para me entender e me recriar e enfrentar o mundo, enquanto mulher trans. O segundo disco me permitiu explorar as camadas mais profundas, como se eu voltasse despedaçada do meu nascimento, mas inteira e consciente da transcendência de cada minuto de ser quem a gente é, e de que temos direito a mais além de existir, temos direito a cantar o que quisermos, temos direito a sermos sujeitas a afetos, além dos campos da violência, da fetichização, ou da militância. Por isso deixei sair também a melancolia, amor, vontades e fluidez. É o meu chamamento sobre o ser mulher, a transformação, construção e impermanências do feminino”.
Por acaso, o nome do disco veio de uma história inusitada: certa vez, quando dirigia por Piracicaba, um peixe caiu do céu sobre o carro de Ju. “E então eu gosto de estar atenta às belezas das surrealidades da nossa rotina, porque absurdos acontecem o tempo todo, e se o absurdo é possível, tudo é possível, até peixes voarem e corpos trans serem sujeitos ao amor”, conta ela, que recorre bastante às marés, aos oceanos, à chuva e à água, de forma geral, como tema para músicas e textos.
“Nas nossas folgas, sempre buscamos um mar, ou uma cachoeira, para nos limpar, nos renovar. Um mergulho é uma imersão para outro tempo, outro universo. Eu, que moro do ladinho do Rio Piracicaba, sou inevitavelmente atravessada por essa energia. A água representa a fluidez, o escoar, a libertação do emocional, do misticismo. Por isso a utilização desses símbolos”, diz.
Por falar em Piracicaba, JuPat voltou à cidade onde foi criada após dez anos em São Paulo. Na capital, já tinha uma rede de produção e convites para shows. De volta às origens, precisou se adaptar.
“Demorei um pouco até conseguir achar um espaço na cidade que considero como minha, mas depois veio o convite e no lugar onde eu mais queria me apresentar, que é no Largo dos Pescadores, um dos lugares mais democráticos da cidade, à beira do rio. E fui me reconectando à cidade, conhecendo mais de perto a cena cultural e os artistas locais, que são incríveis e que, por não disporem da proximidade de contatos e da rede de produção que São Paulo dispõe, fazem os corres em dobro e são obrigados a adotar a postura da arte realmente independente”, conta ela, dizendo que a cidade respeita suas escolhas pessoais e artísticas.
“Acho que em qualquer lugar existe o atraso e o preconceito, mas pelo que observo aqui e por onde percorri é que em todo lugar também existem os artistas e os movimentos de resistência”, afirma.
E esse é Nadando com peixes que voam.