Cinema
Pink Floyd toca Zabriskie Point
Zabriskie Point foi censuradíssimo no Brasil em 1970, ano de seu lançamento. Foi liberado para exibição nos cinemas nacionais só em abril de 1980. Foi aí que finalmente os brasileiros conseguiram ver a incursão do cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007) em Hollywood.
O filme tinha orçamento monstruoso: chegou a gastar mais de sete milhões de dólares. No roteiro, vários raios-x do movimento estudantil norte-americano. Antonioni, em busca de uma linguagem bastante autoral e mais próxima da realidade, recusou ofertas de atores conhecidos que lhe foram feitas (gente como Mia Farrow, por exemplo). Em seguida, optou por dois atores desconhecidos e inexperientes, a estudante hippie Daria Halprin e o marceneiro vida torta Mark Frechette – cujos personagens tinham esses mesmos nomes, Daria e Mark.
No fim das contas, a produção gastou mais do que o orçamento da Metro-Goldwyn Mayer permitia, e acabou rendendo pouca grana, até porque o filme demorou quatro anos sendo feito. E para piorar Zabriskie Point, hoje um clássico cult, ganhou escovada geral de críticos de cinema – até mesmo dos fãs de Blow up (1966), aplaudidíssimo filme anterior do cineasta. A Metro encerrou o contrato com Antonioni e ele ficou um bom tempo sem dirigir.
E A TRILHA?
A trilha sonora de Zabriskie Point, por acaso, saiu no Brasil também só em 1980, numa época em que já havia virado lenda o fato de o filme ter “uma trilha do Pink Floyd”. Ainda que o grupo só tenha tido três músicas incluídas no filme e nunca tenha saído nenhum disco da banda com o repertório inteiro (ao contrário do que rolou com More, de 1969, e Obscured by clouds, de 1972, ambas trilhas de filmes que o Pink Floyd fez).
Roger Waters, que por aqueles tempos era baixista do grupo, já recordou que trabalhar com Antonioni foi um “inferno” para a banda. O Pink Floyd foi “importado” para a Itália, hospedou-se no Hotel Massimo D’Azeglio, em Roma, e passou a noite (após encher a bucha de vinho e comida italiana) num estúdio ali bem perto, ao lado do diretor. Antonioni ia cochilando conforme a noite avançava e nada para ele estava bom, ainda que a banda fizesse mudanças no trabalho.
A NAMORADA AJUDOU
O Pink Floyd foi parar na trilha por sugestão da namorada de Antonioni, Clare Peploe. Até então, o diretor já havia solicitado uma música aos Doors – a banda compôs L’America e ele não gostou da faixa. Antonioni ouviu Ummagumma, disco duplo do Pink Floyd, adorou o som e foi assim que o grupo foi parar na Itália.
A trabalheira infernal da banda em agradar o exigente diretor deu nas tais três canções aproveitadas: o tema meio country Crumbling land, Come in Number 51, your time is up (uma releitura do B-side Careful with that axe, Eugene), e Heart beat, pig meat, que tinha ruídos de batidas cardíacas – uma ideia que apareceria, como você deve saber, em The dark side of the moon, monumental disco da banda de 1973. Para completar a trilha, o diretor preencheu tudo com músicas de Fahey, The Youngbloods, Roy Orbison, Grateful Dead, Patti Page e outros.
ALIÁS E A PROPÓSITO
Só que o Pink Floyd ainda gravou muita coisa na Itália, e esse material não estava no disco com a trilha. Muita coisa apareceu no relançamento em CD duplo do disco, de 1997, e outras coisas foram surgindo em versões piratas da trilha, como a série Zabriskie Point – The complete sessions. Hoje, tá quase tudo no YouTube, igualmente pirateado. E também na caixa 1970 Devi/ation, em lançamento oficial da banda.
Uma das faixas, Violent sequence ou The riot scene, (o nome varia) apareceria em momentos de motins estudantis. E, aliás, era uma tema de Richard Wright composto no piano que depois geraria Us and them, de The dark side…, em 1973. Pega tudo aí.