Cultura Pop

Piedra Rodante: a Rolling Stone do México

Published

on

Em 2002, poucos anos antes da Rolling Stone voltar a ser publicada no Brasil, o México ganhou uma edição local da revista. E Brasil e México têm algo em comum no que diz respeito à relação com o título norte-americano,  até porque ambos os países já haviam tido edições da publicação nos anos 1970. A do México existiu por apenas oito números, de maio de 1971 a janeiro de 1972, se chamou Piedra rodante (!) e foi fechada numa época de forte repressão à contracultura no país, com o presidente Luiz Echeverria à frente do combate.

Echeverria, um advogado que hoje tem 98 anos, presidiu o México de 1970 a 1976. Antes disso, no significativo ano de 1964, ele foi secretário de Governo do antecessor dele na presidência, Gustavo Díaz Ordaz. Foi sob a gestão dos dois que o México entrou para o clube dos países marcados pela repressão brutal a movimentos estudantis, graças ao Massacre de Tlatelolco.

O massacre aconteceu em 2 de outubro de 1968, quando as forças armadas do país abriram fogo contra civis desarmados na Praça das Três Culturas, durante um levante de estudantes em resposta à ocupação militar da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM).

A polícia abriu fogo contra um local ocupado pelos estudantes e centenas deles foram mortos, além de transeuntes que passavam por ali (incluindo crianças) e pessoas que assistiam à missa na Catedral Metropolitana, ali perto. Echeverria chegou a ser preso em 2006 pela matança, mas não ficou nem sequer um mês na cadeia – foi absolvido por causa da prescrição do delito.

Aliás, olha só por onde Echeverria andou passando por aqueles tempos.

O governo de Echeverria também tomou atitudes extremas em relação ao rock local, proibindo shows em estádios e agindo com repressão a jovens. Foi nesse contexto que um cara chamado Manuel Aceves, que trabalhava com publicidade, resolveu largar tudo para tentar lançar uma visão local da Rolling Stone, com título traduzido para Piedra rodante. O setor de publicações da Stony Brook University mandou escannear todos os números e colocá-los na internet. Pode ler tudo aqui.

Aceves negociou com Jann Wenner (criador da Rolling Stone) o uso de material da revista, criou uma editora e pôs o material para circular, sob o lema “el periódico de la vida emocional” (o jornal da vida emocional). Era um trocadilho com o “el periódico de la vida nacional”, que era o lema do Excélsior, um dos dois maiores jornais do México na época. Só que sob um regime tão totalitário, ficou complicado manter a revista funcionando. Ainda mais depois de uma baita perseguição ao rock e à música pop, ocorrida após a realização de uma espécie de Woodstock local, o festival de Avándaro.

O evento, que tinha o nome completo de Festival Avándaro Rock y Ruedas, rolou na Cidade do México nos dias 11 e 12 de setembro de 1971, e teve participação de bandas conhecidas do rock mexicano como Dug Dug’s, La Tinta Blanca, El AmorPeace & Love e Three Souls in My Mind. A própria estação de TV Televisa, que cobriu o evento, fez uma reportagem destacando a reação de censura do governo. Echeverria mandou proibir festivais de rock em estádios e cortar o estilo musical das rádios. Até mesmo o radialista que transmitiu o evento teve licença cassada.

Aparentemente, além das notícias sobre gente fumando maconha e sexo livre no festival, Echeverria e seus asseclas não gostaram de algumas fotos publicadas nos jornais mostrando o evento – como a imagem acima. Ou de demonstrações de “poder jovem” por parte dos músicos no palco. Ou dos palavrões de alguns dos artistas, transmitidas pelo rádio.

Para piorar um pouco, o jornal Alarme avisou que o festival era uma “asquerosa orgia hippie” (um inferno, enfim) com drogas e degeneração sexual. Foi nesse contexto que Aceves achou melhor suspender a publicação enquanto estava vivo. O publicitário nunca mais (ao que se sabe) comandou nenhuma publicação e passou a trabalhar com psicoterapia junguiana. Morreu em 2009.

As oito edições da Piedra rodante foram parar nas bibliotecas da Stony Brook University por intermédio de uma doação de Luis Gonzalez-Reimann (da Universidade da Califórnia, Berkeley), que foi editor associado e crítico de discos da publicação.

“Considerando que Stony Brook disponibiliza as edições para fins acadêmicos, estou convencido de que, a esta altura (mais de quarenta anos depois), Manuel Aceves teria ficado feliz para permitir que a história e os conteúdos de Piedra Rodante sejam amplamente conhecidos”, escreveu Reimann. Uma pena que a própria Rolling Stone americana nem chegue a falar muito da Piedra Rodante, mas as edições estão aí.

Via Stony Brook University e Nación

Trending

Sair da versão mobile