Cultura Pop
Aquela vez que Pat Boone gravou heavy metal
Ídolo das garotinhas entre os anos 1950 e 1960 e, posteriormente, uma mescla de entertainer, astro “família” e nomão do pop gospel, o bom rapaz Pat Boone assustou vários fãs em 1997.
Tudo porque decidiu ouvir uma ideia maluca de seu tecladista e maestro, Dave Siebels, e resolveu lançar um disco de… heavy metal. Ou melhor: de clássicos do heavy metal e do hard rock reinterpretados numa mescla de jazz, swing e rock. Esse disco existe de verdade e se chama In a metal mood: No more Mr. Nice Guy. Olha a capa aí, com Pat ainda bastante sacudido aos 63 anos (tem 84 hoje).
Importante: se você não fazia a menor ideia de que esse disco existia, mas lembra da série The Osbournes, que irá voltar, o tema de abertura era uma das faixas de In a metal mood. Era a (excelente, por sinal) versão jazz de Crazy train, de Ozzy Osbourne.
Boone se tornou mais conhecido por ter feito versões de rock e r&b, num esquema bem mais palatável que os originais, nos anos 1950 – além de ter invadido o pop da época com baladas herdadas do blues.
Suas releituras de hits do rock eram tão comportadas que apagavam tudo o que o estilo tinha de mais rebelde e inovador na época. Não escapou, por causa disso, de críticas por estar se apropriando do repertório de artistas afro-americanos. Nos anos 1960, após problemas no casamento, tornou-se cristão e passou a alternar discos religiosos e seculares, pouco voltados para o rock.
“Com o tempo, fui fazer temas de filmes, baladas, country e gospel, e fui deixando o rock de lado”, admitiu, no (enorme) texto do encarte de In a metal mood. Rolaram algumas exceções. Em 1964 gravou um disco chamado Boss beat, com músicas de Chuck Berry e Beatles em meio a canções mais pop.
Tido como a maior ameaça ao reino do colega Elvis Presley, Boone chegou a programar para 1963 o lançamento de um disco chamado Pat sings Elvis. Desistiu da ideia quando levou um chega-pra-lá do empresário do cantor, Colonel Parker, que queria royalties pelo uso do nome de seu contratado. A solução foi chamar o disco de Pat Boone sings Guess Who? (Pat Boone canta adivinha quem?).
Não parecia o perfil de uma pessoa que se interessaria em gravar clássicos do metal. Mas longe das paradas havia anos e sem uma grande ideia para um novo álbum, Boone topou levar a ideia adiante e foi a campo. “Ouvi Smoke on the water, do Deep Purple, pela primeira vez na vida. Ouvi Jimi Hendrix pela primeira vez”, contou no encarte do disco.
Mais: Pat recrutou participações de peso para o disco. Ronnie James Dio topou ajudar nos vocais de sua Holy diver. Richie Blackmore tocou guitarra na releitura de Smoke on the water. Dweezil Zappa também tocou guitarra na mesma faixa. Boa parte dos arranjos são uma surpresa bem interessante para fãs de heavy metal, caminhando para um lado mais jazz. Olha as duas músicas aí.
Já esse som de entertainer aí é Enter Sandman, do Metallica.
Pat Boone transformou Stairway to heaven, do Led Zeppelin, num misto de jazz e valsa, um tanto brega. O resultado deve ter aporrinhado bastante Jimmy Page, guitarrista do grupo, tanto que a música nem está no YouTube. Em compensação, pegue aí a cirurgia plástica que Boone fez em It’s a long way to the top (If you want rock and roll) do AC/DC.
Mas e aí, deu certo? Deu e como. Vestido num bizarro macacão de couro, um bem-humorado Boone foi divulgar seu disco no talk show de Jay Leno e contou a história da empreitada.
“O disco foi feito para mostrar meu hiato de aparição na parada da Billboard, Meu último álbum a aparecer por lá foi em 1962. Esta semana, 35 anos depois, estou no topo da parada com o novo disco”, contou. “Ninguém pode dizer que não planejo meus próximos passos cuidadosamente”. Também revelou que seus pais, ainda vivos naquela ocasião, ficaram horrorizados com o disco.
Em 2017, olha só: Boone voltou à época do disco numa entrevista. Lembrou que Slash, do Guns N Roses, havia deixado apalavrado que participaria da versão de Paradise city, do Guns (mas precisou se juntar a um retorno do grupo e não teve tempo). E admitiu que as estações de TV cristãs, cujos estúdios ele frequentava na época, acharam aquilo tudo inaceitável.
“Expliquei que estava fazendo um álbum de heavy metal, mas que eu tinha passado um pente fino em todas as letras, e não havia nada sobre drogas ou promiscuidade ou adoração do diabo”, afirmou.
Uma demonstração dessa não-aceitação rolou pouco antes de sair o disco, quando Alice Cooper e Pat Boone entregaram ao Metallica o prêmio de Melhor Artista de Heavy Metal no American Music Awards. É o vídeo aí debaixo.
Pat compareceu vestido de couro, com tatuagens falsas. Deixou Alice visivelmente constrangido e foi recebido com bom humor pelo Metallica, que anunciou Pat como novo vocalista do grupo. O prolema é que a Trinity Broadcasting Network, rede cristã de televisão em que o cantor tinha um programa, não gostou nada daquilo. Cancelou a atração de Boone e pediu aos telespectadores que rezassem por ele.
Pat, que pouco antes do AMA tinha recusado uma sugestão da produção de que o número deveria ser exibido como um “mudei de tribo” protagonizado por ele e Alice, declarou que jamais imaginaria que sua virada para o metal seria encarada dessa forma. “Só porque usei algumas calças de couro, tatuagens falsas e brincos, não significa que eu sou uma pessoa fundamentalmente diferente”, disse.
E se você chegou até aqui, parabéns. Pega aí Pat com No more Mr. Nice Guy, de Alice Cooper, ao vivo num Telethon.