Cultura Pop
Pai Herói: quando Blondie tocava em trilha de novela
Lançada pela Globo em 29 de janeiro de 1979, a novela Pai herói, de Janete Clair, está de volta à telinha – no caso a telinha do seu computador, pela Globoplay. A história de André Cajarana (Tony Ramos), que luta para limpar o nome do pai, tem (claro) inúmeros detalhes que jamais caberiam na teledramaturgia de hoje, como em qualquer novela das antigas. Já a trilha sonora, tanto no disco nacional quanto no internacional, poderia ser lançada hoje em dia e até faria sucesso em festas. Assistindo a novela, você pode até deparar com Heart of glass, clássico punk-disco do Blondie, que estava na trilha internacional.
A trilha nacional de Pai Herói (que chegou a ser lançada em CD, em 2001) era um apanhadão de sucessos pop da época, com algumas escolhas meio inusitadas. 14 anos, música de um disco pouco conhecido de Guilherme Arantes, A cara e a coragem (1978) estava na trilha. A chave do mundo, não-hit de Marina Lima (do primeiro disco dela, Simples como fogo, de 1979), também. Pai, de Fábio Jr, já era conhecida de um apresentação na série Ciranda cirandinha, da Rede Globo, e reapareceu lá.
Seguindo a lógica comum da teledramaturgia vintage, o fato de a novela ser um drama passado no subúrbio (Nilópolis, município da Baixada Fluminense) liberou a produção para colocar vários sambas na trilha nacional: Alcione (Pode esperar), Paulinho da Viola (o sofisticado Nos horizontes do mundo), Roberto Ribeiro (Meu drama, que tocou bastante no rádio naquela época e pôs no inconsciente coletivo o verso “minha romântica senhora tentação”) e Beth Carvalho (Passarinho, do portelense Chatin). Tinha ainda Maria Bethânia com Explode coração e Moraes Moreira com Espírito esportivo (uma das melhores do LP Alto falante, de 1978).
E tinha a trilha internacional. Heart of glass acabou virando o exemplar solitário de canção do Blondie a ser incluída numa trilha sonora de novela. A canção era o grande hit do terceiro disco da banda, Parallel lines (1978) e tinha sido lançada como terceiro single do disco, em janeiro de 1979. Virou hit: um tijolinho publicado no O Globo em 26 de junho de 1979 põe a canção como uma das preferidas do hit parade da rádio Mundial, ao lado de (bendita diversidade) Cálice, com Chico Buarque e Milton Nascimento, e Negue, com Maria Bethânia. O single inclusive saiu no Brasil.
E teve o clipe. A gravadora e o grupo chamaram o diretor David Mallet para fazer um clipe para cada faixa do disco Eat to the beat (1978). O de Heart of glass fez o Blondie ficar cada vez mais popular e provou que ex-punks faziam dançar e cabiam bem no espaço de uma discothéque (com direito a globo de luz rodando). Detalhe: a banda queria aparecer dançando e foi proibida de se mexer pelos diretores. Isso explica que até mesmo Debbie pareça pouco à vontade no palco, usando um vestido desenhado pelo fashionista Stephen Sprouse. Você já leu sobre isso aqui.
A trilha internacional trazia ainda outros hits ou canções que se tornaram sucessos, como I’d rather hurt myself, do cantor de R&B Randy Brown, que ganhou o apelido de “melô da asa” por aparecer num comercial em que um sujeito pilotava uma asa delta. É aquela mesma musica que ganhou uma tradução sem pé nem cabeça feita pelo Didi Mocó. Na novela, era tema de Ana Preta (Gloria Menezes) e André Cajarana.
A trilha internacional misturava disco music, rock e um tantinho de mela cueca. O lado dançável ficava por conta de sucessos como I will survive (Gloria Gaynor). O lado mais romântico ganhava reforços com uma música gravada no Brasil: Allouette, cantada em francês por Denise Emmer (filha de Janete Clair).
E, pode acreditar, também era reforçado por uma triste balada de Alice Cooper, How you gonna see me now? Só que a escolha dessa música era, digamos, conceitualmente correta: a canção falava sobre um sujeito que era encarcerado e, no xadrez, escrevia uma carta à amada. Na novela, ela era tema de Pepo, personagem de Osmar Prado, um cara sem eira nem beira que se metia com coisas erradas, e acabava na cadeia. O clipe dessa música era um primor de trasheira.
Da trilha sonora fazia parte também o Sun, com Sun is here. O Sun era um grupo norte-americano de soul que chegou a contar com a participação de Roger Troutman (Zapp) nas guitarras e tinha mania de fazer músicas com trocadilhos e referências “ensolaradas”. Sun is here fazia parte do disco Sunburn (literalmente, “queimadura de sol”), lançado em 1978.