Crítica
Ouvimos: X, “Smoke & fiction”
- Smoke & fiction é o nono disco de estúdio do grupo punk californiano X, banda clássica formada em 1977, e que após alguns anos de inatividade, retornou em 2008. O grupo está com a formação do início: DJ Bonebrake (bateria), Exene Cervenka (voz), John Doe (baixo, voz) e Billy Zoom (guitarra, baixo).
- A banda diz que Smoke & fiction é seu último disco. Desde julho embarcaram em sua última turnê, End is near, que dura até o ano que vem. E por que o fim? “Não tenho uma resposta. É só um chute porque ninguém pode prever o futuro. Se começarmos a trabalhar em novas canções após o fim da tour em 2025, provavelmente vamos precisar de um ano até entrar em estúdio em 2026. Não acho que estaremos aptos a isso nessa época, vai ser duro”, contou Exene aqui.
A banda californiana X não começou sua carreira com um disco, mas com um manifesto. Los Angeles, debut do grupo (1980), mostrava os lados sombrios de uma terra geralmente associada a praias, surfe, carros velozes, longas estradas e prosperidade. Não só isso: o grupo conseguiu relacionar, em nove faixas e 27 minutos, punk, lirismo (a vocalista Exene Cervenka e o cantor e guitarrista John Doe são escritores e poetas) e a história do rock californiano. Inclusive porque Ray Manzarek, tecladista dos Doors, se apaixonou pelo som do grupo imediatamente e produziu os quatro primeiros discos do X (seus teclados são ouvidos em quatro faixas do primeiro álbum, inclusive). O grupo até acabou indo parar na Elektra, antiga gravadora dos Doors.
O clima renovador da banda continuou pelos primeiros discos, voltados para uma infusão de punk, rock de raiz e country, e cada vez mais dando um banho de realidade no ouvinte – More fun in the new world, o quarto álbum (1983) é o ápice dessa história. Como consequência do amadurecimento do grupo, os discos foram ficando maiores, e em alguns momentos, o X pareceu correr mais atrás do público de rádio do que seus fãs originais provavelmente gostariam de ver. Sem problemas quanto a isso: assim como aconteceu com Ramones, Talking Heads e Blondie, a discografia do X é repleta de achados. Entre eles, o primeiro disco dos Knitters, spin-off country do grupo (Poor little critter on the road, 1985), além das carreiras particulares de Doe e Exene.
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Um retorno dos Knitters com um novo álbum após vinte anos precedeu o retorno da formação original do X, que voltou a gravar em 2020 com Alphabetland e agora retorna com seu suposto último disco, Smoke & fiction – a banda diz que encerra atividades após a turnê. O X entrega ao público um disco punk com qualidade de gravação de anos 1990: excelente produção, mixagem forte, melodias que vão do belo ao sombrio em poucos minutos, abrindo com o punk solar de Ruby church, passando pelas trevas de Flipside, pelo countrycore da apocalíptica Smoke & fiction (“eu ainda rezo um pouco, mas não há santo pra isso”, diz a letra) e pelo punk herdado de Ramones de Struggle.
Algumas letras falam direta ou indiretamente do legado do grupo, em faixas como Sweet till the bitter end, e a balada punk-Roy Orbison The way it is (“fizemos o que fizemos/para libertar um ao outro/é assim que as coisas acontecem/do jeito que tem que ser”). Ou o boogie Big black X, repleto de memórias da banda, cujo refrão (“fique acordado e não seja enganado/nós conhecíamos a sarjeta e também o futuro”) é uma pérola de integridade punk. Finalizando, a marcial Face in the moon lembra músicas do começo do grupo, como Nauzia, e Baby & all põe a desinformação dos tempos da internet em versos (“alguém conta uma mentira/outro diz duas vezes/um terceiro conta também/e a mentira se torna verdade”). Saudades desde já.
Nota: 9
Gravadora: Fat Possum Records