Crítica
Ouvimos: Tyler The Creator, “Chromakopia”
- Chromakopia é o oitavo álbum do rapper norte-americano Tyler The Creator. A produção, os arranjos e praticamente tudo de composição foram feitos apenas por ele – o que vem sendo bastante explorado no lançamento do álbum, já que Tyler foge da tradição de discos pop que têm exércitos de produtores e compositores.
- O álbum tem participação de nomes como Lil Wayne, Lola Young, Santigold, Childish Gambino, Thndercat e GloRilla.
- Tyler diz que Chromakopia foi concebido como um disco sobre sua infância e adolescência passadas numa cidade de Los Angeles chamada Hawthone.
- “Eu estava tipo, ‘oh, merda, ninguém sabe nada sobre mim antes dos meus 17 anos’. As pessoas ficam tipo ‘oh, ele é do subúrbio. Não, mano, eu estava aqui na rua. E eu não espelho o que eles esperam, então… Mas o álbum agora se transformou em mim ouvindo um monte de merda que minha mãe me disse quando criança”, disse.
Sim, a capa do novo disco de Tyler The Creator dá lá seus traços com a de Heroes (1977), disco clássico de David Bowie. Sim, Tyler, aquele rapper brigão e desbocado que atendia repórteres ao telefone enquanto jogava videogame (fez isso uma vez com um amigo meu, que se recorda da primeira pergunta ter sido respondida com um silêncio seguido de “oh no! shit, man, wait a minute!”), corre realmente o risco de se tornar uma espécie de novo Bowie. Por novo Bowie, entenda-se: alguém que faz parte da decoração do mundo pop, e lança tendências até quando joga um papel amassado no lixo.
E, não, esse negócio de “novo Bowie” costuma dar ruim, lança expectativas mal vindas e faz a crítica esquecer de você tão rápido quanto te aclamou. Ninguém merece isso. O negócio é apenas observar o quanto Tyler evoluiu como criador, beatmaker e produtor, e apreciar o fato de que outros artistas pop convocariam um exército de produtores, beatmakers, músicos e estetas do sampler só para fazer tudo o que ele fez sozinho em Chromakopia, ou com a ajuda de poucos colaboradores.
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Chromakopia vai além do hip hop e cai pra cima de r&b, jazz, rock, psicodelias e maluquices – algo que Tyler já vinha fazendo em discos anteriores, mas que aqui ganha outro foco. Como costuma acontecer na discografia de Tyler, é pra ouvir prestando atenção nas letras, já que, partindo de histórias de sua infãncia e adolescência, o cantor dialoga com sua mãe, com antigos amores, com velhas versões de si próprio, e com vários lados diferentes de sua versão atual.
Noid foi feita com sampler de Nizakupanga Ngozi, canção do Ngozi Family, uma banda de heavy metal da Zâmbia que chegou a virar mania na época em que as pessoas baixavam discos do Rapidshare (lembra?). E discursa sobre fama e falta de privacidade, num tom meio soul, meio Jimi Hendrix. Já Hey Jane, um r&b em tons de jazz e soul, discorre sobre aborto, gravidez e abre com o conselho da mãe: “sempre, sempre, sempre use camisinha”. I killed you, com participação de Childish Gambino e Thundercat, é afro-jazz psicodélico com batidão, investindo na onda gangsta e misógina.
Até aí, vale ligar o alerta do “narração não é endosso” e entender que o disco é sobre o contexto duro do qual Tyler veio. O mesmo que o faz incluir um doo wop sobre abandono paterno e sobre os comentários de sua mãe a respeito de como ele se parece com seu pai (Like him, encerrada com a confissão, por parte de sua mãe, de que na verdade ela nunca deixou que seu pai se aproximasse de Tyler). O r&b anos 1980 Darling, I traz Tyler discorrendo sobre monogamia vs. poliamor. Judge Judy, um balanço relaxante quase no estilo da fase inicial de Kool & The Gang, fala sobre uma mulher liberada que sumiu e deixou marcas.
St Chroma, por sua vez, abre o disco apresentando o personagem cujas histórias são contadas em Chromakopia – um sujeito vindo de Hawthone, cidadezinha na área metropolitana de Los Angeles (“é de onde ele vem, é o outro planeta onde ele fica”, diz a letra, revelando frases ouvidas pelo personagem ao longo da vida, como “cague para as tradições, pare de querer impressionar os mortos” e “você é a luz, não abaixe sua luz para ninguém”).
O Tyler de Chromakopia faz do rap e da produção musical seu divã de analista. E na verdade não é algo tão estranho a seu trabalho, já que o horrorcore de Goblin (2011), seu segundo álbum, vem da mesma fonte. Tyler já cresceu musicalmente, e vem colocando em música seu amadurecimento pessoal, além de toxicidades pessoais superadas.
Nota: 10
Gravadora: Columbia.