Crítica
Ouvimos: Sophie Jamieson, “I still want to share”
- I still want to share é o segundo álbum da cantora e compositora londrina Sophie Jamieson. A produção foi dividida entre Guy Massey (Spiritualised, The Divine Comedy, Kylie) e Sophie.
- Quer ter uma ideia da vibe do álbum antes de ouvir? “É um álbum que explora a natureza de empurrar e puxar. Fala do carrossel do apego ansioso e como ele tece, corta e rouba relacionamentos familiares e românticos. Ao longo do disco há um desejo perpétuo de pertencer, um anseio de aprender a amar e deixar ir, e um erro contínuo do alvo. Cada música se apega firmemente à possibilidade de um lar, mas nunca chega lá” (fonte: Bandcamp de Sophie).
- Vista, a segunda faixa, por exemplo, foi composta “no meio de uma paixão. Acho que senti o perigo em minhas próprias emoções. Foi intenso e rápido, e embora eu não tenha percebido na época, essa música parece revelar minha consciência de me perder muito rapidamente”, diz Sophie aqui.
O afeto e o amor, às vezes, são carregados de sentimentos ruins. E, por causa dessa natureza complexa, costumam ganhar explicações melhores quando se usa outros assuntos para falar deles. Como numa crônica em que um fio de cabelo, uma pessoa passando na rua, um antigo brinquedo etc, servem para falar de alguma situação medonha, alguma pessoa que se foi, alguma pessoa que ameaça ir. Em I still want to share, Sophie Jamieson constrói um mosaico sonoro delicado, entrelaçando folk e pop de câmara, para falar de amores que se dissolvem no tempo. Suas letras são feitas de fragmentos que capturam a lenta erosão das relações, como fotos antigas desbotando sob a luz.
Não é por acaso que o disco inicia com a celestial Camera, em clima introvertido, montanhês, com cordas que dão um design musical melancólico e vertiginoso para a faixa – cuja letra fala sobre a tentativa de colar os cacos de um amor despedaçado. Vista, canção de piano, violão e cordas, usa o ato de dirigir numa estrada para falar de uma relação problemática. I don’t know what to save abre a caixa de dúvidas e dilemas para falar de uma paixão que se perder na distância. É uma canção que revela sua intensidade a cada acorde, especialmente quando as cordas entram em cena. Welcome é uma balada de aspecto quase mágico, com efeitos sonoros que vão aparecendo aos poucos. How do you want to be loved soa às vezes como um synth folk, repleto de nuances e detalhes minuciosos de estúdio.
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O amor de I still want to share não parece se restringir a uma única pessoa, ou a um momento específico, . Canções sobre a vida materna surgem no acalanto blues Baby, que a cantora disse ter sido composta, inicialmente, para falar sobre canções nascendo dentro dela. O mesmo tema reaparece na faixa-título – uma balada que ganha uma atmosfera quase cinematográfica graças aos vocais de Sophie, que, em um tom sussurrado, exigem que você se esforce para mergulhar na letra da canção. Já o lado sufocante da maternidade é evocado para falar de um relacionamento-problema em Your love is a mirror, uma quase canção de ninar, com versos como: “quando é que eu vou partir o seu coração?/posso sentir isso chegando/(…) você me dá aquele olhar/dizendo que você não é apenas o fruto da sua mãe”.
Time pulls you over backwards encerra o álbum inserindo outros climas na história. É uma balada romântica meio anos 1950, que tem algo de Can’t help falling in love (sucesso de Elvis Presley), com uma letra em que uma pessoa deseja nunca ter amado outra, encerrando com imagens de sangue e destruição. Uma das melodias mais tranquilas e um dos arranjos mais minimalistas do álbum.
Nota: 8
Gravadora: Bella Union
Lançamento: 17 de janeiro de 2025.