Crítica

Ouvimos: Snapped Ankles, “Hard times furious dancing”

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“Ainda podemos manter a linha da beleza, forma e batida. Não é uma pequena conquista em um mundo tão desafiador quanto este… Tempos difíceis exigem dança furiosa. Cada um de nós é a prova”. Esse trecho, escrito em 2010 por Alice Walker – autora estadunidense mais conhecida pelo romance A cor púrpura, que virou filme – inspirou o quinto disco do Snapped Ankles, grupo londrino que por falta de denominação melhor, pode ser chamado de pós-punk.

Isso porque, na prática, o Snapped Ankles veio para confundir, causar e criar um som difícil de colocar em caixinhas. Você percebe um Kraftwerk torto aqui e ali, influências de grupos como Wire, Suicide e The Fall (o vocal lembra o de Mark E Smith), mas o mais bizarro é que os integrantes não revelam suas identidades e todos se apresentam com roupas camufladas (!). Hard times furious dancing, a visão deles a respeito da dança furiosa dos tempos difíceis asseverada por Alice Walker, põe em música o espanto com o capitalismo, com as corporações, com o descaso das pessoas e com a transformação de todo mundo em números e algoritmos.

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Viajando pelas faixas, Pay the rent, um samba eletrônico torto, com clima meio sujo e simultaneamente meio psicodélico, abre o álbum soando como um The Clash mais experimental – mandando bala numa letra que praticamente prevê o fim do mundo por falta de verbas. Personal responsibilities mete bala nas empresas que só querem saber de lucrar sem se preocupar com mais nada, em meio a um som que evoca um Devo do mal, ou um Suicide moderno. Raoul une Kraftwerk e Ministry. Dancing in transit é dance music de altas energias, mas com ritmos tortos, consistindo num jazz-rock doidão e ríspido.

E isso aí é só o começo. Dai para a frente, somos apresentados ao sarcasmo de Where’s the caganer?, som uptempo com uma letra citando a velha tradição do duende cagalhão, um boneco que faz parte da decoração de Natal da Catalunha. Smart world é um tecnorock que soa como uma música daqueles novelty records de música eletrônica dos anos 1970 – com uma letra que conclui que “todo mundo que eu conheço está ficando mais preguiçoso da cabeça quase dia após dia”.

As razoáveis Hagen im garten e Bai lan, músicas com partículas de reggae, industrial e até eletrohardcore, servem de ponte para Closely observed, que encerra o álbum. Uma canção bem mais meditativa que o restante do disco, e que em meio a sons espaciais, propõe a fuga do sistema maluco atual (“economize, prepare / empacote o que puder / fuja, fuja / para outro plano de inverno / aterrissamos em uma cidade vazia”). Resta saber para onde…

Nota: 8
Gravadora: The Leaf Label
Lançamento: 28 de março de 2025.

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