Crítica
Ouvimos: Sault, “Acts of faith”
O Sault é um grupo bastante pródigo em lançamentos (11 LPs e dois EPs em seis anos), que tem maneiras bem sui generis de lançar discos novos, e tem formação quase secreta. O chefe da turma é o produtor e compositor Inflo, e sabe-se que Cleo Sol, Kid Sister e Chronixx fazem vocais. E do único show do grupo, em dezembro de 2023 (veja lá embaixo), participaram nomes como Little Simz e Michael Kiwanuka. Mas, fora isso, nunca foi confirmado oficialmente quem toca nos discos do grupo ou não.
Acts of faith, disco da banda que surgiu no dia de Natal nas plataformas, faz parte de uma dessas rotinas inusitadas de lançamentos. O repertório do álbum foi tocado do começo ao fim justamente no tal único show do grupo. Em julho, o disco foi lançado como um arquivo .WAV de uma faixa só, para ser baixado pela internet – e depois sumiu.
O repertório ouvido na época ressurge separado em nove músicas, mas permanece funcionando como uma peça só, de 32 minutos, para ser escutada de uma vez e admirada por sua musicalidade e suas progressões. Sim, porque se o Sault já viajou em vários estilos musicais nos discos anteriores, Acts of faith é um álbum de soul progressivo, inspirado por Marvin Gaye, Stevie Wonder, Isaac Hayes, trilhas sonoras, jazz meditativo, e possivelmente até por Cassiano e Banda Black Rio.
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Do começo ao fim, o disco dá uma viajada em temas gospel e em versos que podem soar meio estranhos para quem não é exatamente religioso (“consiga alguém para amar”, “deus irá ajudar você a se curar”, “pai, eu preciso de você”, e coisas do tipo). Musicalmente, é um disco elaborado, quase mântrico no uso de guitarras e cordas, abrindo com a sonoridade discreta de I look for you, soul afro-latino que inicialmente se parece com uma trilha que vai surgindo ao fundo – ganhando balanço com vocais e piano, do meio para o fim.
O álbum prossegue com músicas que servem como continuações umas das outras. No roteiro, o ritmo jazz soul de Set your spirit free, o soul balançado e cristalino (lembrando uma mistura de Jackson 5 e Marvin Gaye) de God will help you heal. Além de Someone to love you, uma música que falta pouco para lembrar o Santana fusionista do disco Amigos (1976), e da vibe dançante e ultrapop de Signs (cuja percussão lembra discretamente algo de música nordestina).
Já Lesson is over soa como o fim estendido de uma música, ou como se uma frase do refrão fosse repetida diversas vezes numa releitura ao vivo – algo quase mântrico, encerrando com um arranjo incrível de cordas e vocais. Soul clean é soul percussivo e latino, lembrando Isaac Hayes e trilhas sonoras feitas por ele. No fim do álbum, um clima meio Roberta Flack e Donny Hathaway nos sete minutos da balada soul Pray for me.
O Sault retorna em Acts of faith mirando o lado espiritualista dos fãs. E busca outro tipo de militância, bem diferente da do álbum Untitled (Black is) (2020), mergulhando nas surpresas musicais do soul setentista e nas celebrações do gospel.
Nota: 10
Gravadora: Forever Living Originals.