Crítica
Ouvimos: Rael, “Onda”
Rael disse que Onda é um disco para as pessoas apenas ouvirem – não é um disco de guerra nem de contestação. A guerrilha do disco é sonora: Onda já abre com Simbora, um batidão entre funk e umbanda, com refrão lembrando Gilberto Gil. Prossegue com a faixa-título, que tem sample de Onda (hit de Cassiano), traz Rael e Mano Brown dividindo rimas e citando nomes importantes da cultura musical black brasileira – e encerra com bênção do mestre black nacional Dom Filó. “O filósofo Friedrich Nietzsche declarou: ‘Não acredito num deus que não dance’. E eu, Dom Filó, acrescento, ‘Não acredito num fiel que não se mexa”, diz o produtor e DJ.
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É por aí que vai Onda, disco em que boa parte das canções são românticas, e a maioria dos convidados conduz mais à descontração do que à cara franzida. Ivete Sangalo e Gabriel do Borel dividem vocais no rap-axé indianista Outro nível, Marina Sena surge no rap de paquera Na minha (do excelente verso “tomei coragem, mas também tomei tequila”) e o trio de produtores Los Brasileros se solta no rap-MPB Suave. Um álbum que indica caminhos mais descontraídos para o rap brasileiro, e talvez indique mudanças empresariais cruciais no estilo – já que foi o último disco lançado pelo selo Laboratório Fantasma antes da separação dos sócios e irmãos Evandro Fióti (por sinal, co-produtor de Onda) e Emicida.
Enquanto não rolam as próximas movimentações do selo, a onda de Onda vira para o reggae, o forró e o samba no decorrer do álbum. É o que surge na vibe nordestina de Saudade de lascar e Na minha cabeça (nessa, Mestrinho toca um acordeom virtuosístico, cheio de baixos que chegam a dar um tom roqueiro). E também no samba-trap Vibe, com Ludmilla – a cantora volta como citação na baileira Até o sol raiar, que encerra o álbum. Chá de lírio e Me deparei com a lua guiam Onda para o som praieiro, e o rap romântico Meu iô iô, com Luedji Luna, é uma das raras músicas quase vintage do disco, evocando o boogie nacional oitentista.
Onda não vai, provavelmente, ser um disco histórico para o rap nacional – mais acostumado com guerrilhas e discos solenes. Mas alivia bastante o clima de um estilo musical pesado e trevoso por convicção.
Nota: 8
Gravadora: Laboratório Fantasma
Lançamento: 20 de março de 2025.