Crítica

Ouvimos: PJ Harvey, “I inside the old year dying”

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  • I inside the old year dying é o décimo álbum de estúdio da britânica PJ Harvey. E o primeiro disco dela desde Hope six demolition project, de 2016. Foi produzido por ela ao lado de Flood e John Parish.
  • Em maio, PJ disse esperar que o disco novo venha como “um espaço de descanso, um consolo, um conforto, um bálsamo, que é o que precisamos para os tempos de hoje”. Também houve notícias sobre referências a Shakespeare e à Bíblia Sagrada no disco.
  • O álbum reaproveita passagens e personagens de Orlam, romance poético lançado por Harvey em 2022, que mostra um ano na vida de uma garota de Dorset, Inglaterra, chamada Ira-Abel Rawles. PJ foi criada em Dorset numa fazenda e as experiências dela no local costumavam ser contadas por ela em entrevistas nos anos 1990. Wyman-Elvis, o fantasma de um soldado inglês da Guerra Civil – cuja mensagem é nada menos que “love me tender” – é um personagem tanto do livro quanto do disco.

A primeira coisa a falar sobre o novo disco de PJ Harvey é que você vai ser atirado num oceano de beleza, introversão e recordações de um passado que pode trazer dores, traumas e velhos problemas de volta. Fazendo uma abstração, como se fosse o seu passado, e não o dela: é a sua história, as suas dores, as suas recordações, a sua origem, o lugar de onde você veio, com alegrias e tristezas. E a distância de tudo aquilo.

Só pelo vocal belo e dolorido de PJ – que traz uma beleza infantil na introdução da jazzística Seem am I e em canções que parecem ter sido feitas no século 18, como All souls – já dá para entender a demora desse mergulho pessoal, que passou por várias etapas antes de chegar a público. I inside the old year dying fala bem menos de um ano em que tudo se perdeu (talvez o 2020 da pandemia) e mais de uma época em que tudo parecia maior, mais assustador e mais impressionante, com referências que podem parecer estranhas à primeira vista. Como os fragmentos de Shakespeare perdidos em faixas como o soul-folk etéreo The nether-edge, cujos sons parecem sair de instrumentos pouco usuais, ou filtrados de maneira inusitada. Ou as referências a Elvis Presley que permeiam o álbum – e que surgem do livro Orlam, escrito por PJ, um pré-disco.

I inside the old year dying possivelmente vai ser bastante consumido em formato físico. Parece perfeito para ouvir lendo as letras (preferencialmente num encarte, e não num site) e tentando descobrir significados ocultos, ou para ser acompanhado como uma fábula repleta de realismo fantástico, de detalhes escondidos, e de personagens a serem descobertos. Ou cenas a serem desvendadas, como o “carnaval, uma despedida de carne” de All souls, a força da natureza que envolve a dramática A child’s question, august, e o renascimento de I inside the old I, dying (dos versos: “deslize da minha pele de infância, eu canto/estou cantando pela floresta/eu pairo no corredor/rindo para as folhas”), o clima de capa-e-espada de alguns arranjos. Ou o “atravessar para o outro lado” da tristonha e leve August.

Zumbidos de insetos, um interlúdio furioso, e mais assombros com a natureza encerram o álbum, com a curiosa Noiseless noise, barulho sem barulho, lembrando que até a leveza tem força. E fechando a jornada com versos como “conheça cada lágrima nessas matas/conheça em todos os lugares/do que é bom e do que não é”. Um disco mais para ser sentido do que para ser racionalmente entendido.

Foto: reprodução YouTube

Gravadora: Partisan
Nota: 10

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