Crítica
Ouvimos: Maribou State, “Hallucinating love”
- Hallucinating love é o terceiro álbum da dupla londrina Maribou State, formada por Chris Davids e Liam Ivory. O duo deveria ter lançado um álbum novo em 2020, mas a pandemia atrasou tudo – e em seguida, mexeu fortemente com a saúde mental dos dois.
- “Houve uma grande repercussão quando fizemos uma turnê pelo mundo e, assim que terminamos, fomos trancados. Nossa saúde mental despencou”, diz Liam no release do novo álbum. Nessa época, ele desenvolveu ansiedade e Chris foi diagnosticado com TDAH.
- Nessa mesma época, após sentir dores de cabeça constantes, David fez vários exames e recebeu diagnóstico de malformação de Chiari, condição rara que causa pressão no cérebro. Em novembro de 2023, quando o álbum estava quase pronto, passou por uma cirurgia.
Há sete anos não saía um disco novo do Maribou State. Entre expectativas dos fãs e problemas pessoais graves (Chris Davids, que divide o duo com Liam Ivory, foi diagnosticado com uma rara condição cerebral chamada malformação de Chiari) Hallucinating love sai em clima de positividade e redenção. Uma vibe que faz com que as letras do álbum, sempre econômicas, soem como mantras, como orações. O clima invade também a construção de melodias e arranjos, além das vozes e corais das faixas.
O som de Davids e Ivory é um soul descontruído, ou reconstruído. A músicas de Hallucinating love é leve, viajante, e às vezes faz lembrar as experimentações musicais de grupos como o alemão Neu!, que faziam música como se construíssem esferas, lugares e moradias. Por sinal, faixas como Eko’s são ligadas direto ao som da banda alemã – essa música é quase um rock psicodélico ágil, tão dinâmico e sensível quanto a foto da capa do álbum. Dando forma a sonho do Maribou State, vozes como as de Holly Walke e Andreya Triana alternam-se nas músicas, e soam como MCs do sonho musical da dupla.
Faixas como Otherside e II remember lembram um pouco o som do Khruangbin, por causa dos corais e do arranjo cheio de reverb e com micropontos de latinidade, em especial nas guitarras (são um Khruangbin com cara mais dance, digamos). All I need, por sua vez, é uma balada soul que lembra um pouco as fusões rock-eletrônica que se fazia na Inglaterra no começo dos anos 1990 (Primal Scream, por exemplo). Passing clouds é um synth pop em clima sonhador e contemplativo, que realmente dá a impressão de, num calor de 40 graus, observar as nuvens passando e o vento chegando – mas sem nenhum tom sombrio. Dance of the world, unindo anos 1980 e 1990, pega uma fusão entre rock, pós-disco e house, incluindo mumunhas eletrônicas desenvolvidas por experimentadores de estúdio.
Duas faixas, em especial, soam como hinos do momento crítico pelo qual Chris passou – e que o trabalho do duo, por extensão, também vivenciou. Bloom, rock com pegadinha abolerada na guitarra, mas com ar contemplativo garantido pelo arranjo, traz a cantora sudanesa Gaidaa repetindo várias vezes: “Preciso de uma pausa disso tudo/não consigo fazer mais nada”. E no final tem Rolling stone, que soa como um resumo musical do álbum, e repete em clima gospel a frase “rolling stone, que vida você levou!/vamos levar você para casa”, em meio a uma vibe funk-rock, com ótimas guitarras. Não parece uma referência à banda veterana liderada por Mick Jagger, e sim uma referência à gíria que deu origem ao nome do grupo, e que significa pessoa que vive como quer, sem se fixar em nada.
Hallucinating love é música verdadeiramente alucinante, hipnótica e feliz. E um álbum que transforma desafios pessoais em paisagens sonoras envolventes, misturando melancolia e celebração.
Nota: 8,5
Gravadora: Ninja Tune
Lançamento: 31 de janeiro de 2025.
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