Crítica

Ouvimos: Luiz Amargo, “Amor de mula”

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  • Amor de mula é o segundo álbum do cantor e compositor Luiz Amargo. O título do disco “é uma expressão popular arcaica que descreve um tipo de amor que é vítima da própria teimosia e obediência” (segundo o texto de lançamento).
  • Luiz é neto de perseguidos políticos na ditadura, e chegou a pensar primeiro em ser escritor. “Acho que é por isso que eu trato a música como um objeto literário: não se tratam necessariamente de situações ou emoções vividas pessoalmente, mas, muitas vezes, de histórias desenhadas, desenvolvidas como peças”, diz. “Me interessa muito a metáfora – influência da poesia e do cinema”.
  • O cantor, que se chama Luiz Amaro Fortes (o “Amargo” vem de um apelido de infância) dividiu a produção do álbum com Gabriel Assad.

Luiz Amargo faz uma MPB-jazz-rock-pop bastante irônica ao lado do amigo Ricardo Resto – lançou com ele no ano passado o EP Engano chegando, cuja lista de assuntos vai de encontros às cegas a prédios afundando na orla de Santos (SP). Solo, o cantor e compositor mantém a ironia e a observação zoeira a respeito do amor, do trabalho, e do dia a dia, mas o papo aqui é (quase) sério.

Amor de mula é um disco de MPB herdadíssimo da vanguarda paulista, mas passando também pela sonoridade do rock indie dos anos 1980 e 2000, por Jards Macalé, Raul Seixas, Eduardo Dussek, Joelho de Porco – esses quatro últimos nomes bastante presentes no samba sertanejo e violeiro de Amor, cadê a mula?, quase faixa-título do disco, cuja letra vai fundo nos dilemas dos verdadeiros motores do Brasil (a galera que mais trabalha e que menos ganha, cantada em versos como “você vassalo/ralou até o talo/depois vestiu/a roupa de espantalho”).

Mesmo que o amor esteja entre os temas de Amor de mula, o principal no álbum é a mistura saudável de temas – e a observação do amor como ponto de partida para falar de política, de tédio, de falta de grana, relacionamentos como um todo. Músicas como o samba lírico Corpo do amor, a toada Quando o fogo vem (destaque para os vocais de Bel Aurora, que divide a música com Luiz, e participa também do funk-rock Sóprativc) e o indie rock suingado Mapa da mina (dos versos “ah meu mundo é queda livre/enquanto o seu só vai subindo/é glória que não dá pra bancar”, numa história que acaba indo parar na China) vêm nessa onda, de poetizar e unir assuntos e sentimentos.

Seguindo em Amor de mula, tem também Fruta madura, uma curiosa guarânia-rock que encarna temas como sexo, política, destruição da natureza, agro e bancarrota (“nem só de amor se sobrevive/nesse mundo em crise, todo sequelado/falei pra não investir na bolsa/faz um poço artesiano, horta, boi, arado”), e a MPB mutante e titânica de Quem ficou, rancor? e São Pop – esta última, uma homenagem cortante a São Paulo, e uma canção que, se tivesse sido feita nos anos 1970, levantaria a plateia em festivais televisivos.

Nota: 9
Gravadora: Independente.

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