Crítica

Ouvimos: Kim Gordon, “The collective”

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  • The collective é o segundo álbum solo de Kim Gordon, ex-baixista e guitarrista do Sonic Youth. O disco foi produzido por Justin Raisen (Charli XCX, Yves Tumor) e pelo irmão do produtor, Jeremiah (mais conhecido como Sadpony).
  • Boa parte do material foi inspirada pelo livro A casa de doces, de Jennifer Egan  – um livro que dialoga com a questão da Inteligência Artificial e do ChatGPT, já que fala sobre um dispositivo conhecido como “Consciência Coletiva”.
  • Numa conversa com o The New York Times, Kim disse que sua visão para o álbum foi a de que ele deveria ser mais orientado para os beats do que seu anterior, No home record (2019). Kim recebia batidas do produtor, e acrescentava a canção: letras, vozes, guitarras, baixo. “Na verdade, não estou abordando a música de uma forma convencional, como verso-refrão-verso-refrão. Não estou pensando em coisas convencionais”, disse à Paste Magazine.

O produtor Justin Raisen, que cuidou de boa parte desse disco novo de Kim Gordon, The collective, afirmou ao New York Times que vai mostrar o álbum para alguns rappers e que “eles vão pirar” ouvindo. Não apenas eles: qualquer pessoa que curta música, no que ela tem de mais revolucionário, tem uma grande chance de pirar com o álbum.

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Na partilha do Sonic Youth – banda que, você pode não acreditar, já acabou há mais de uma década – coube a Kim Gordon o papel de verdadeira guardiã do espirito original do grupo. No começo, o SY era uma banda bem mais afrontosa, mais assustadora, que mexia com fantasmas bem complexos da psique norte-americana. Kim, que iniciou carreira mexendo simultaneamente com música e artes visuais, já havia testado limites em seu primeiro solo, No home record, de 2019. Dessa vez seu lado de criadora de atmosferas falou mais alto – e não foi à toa que ela disse em entrevistas que The collective vale como vários filmes, todos eles bastante perturbadores e verdadeiros. E originais.

No home record ainda podia, em certos momentos, ser associado a grupos contemporâneos do SY, como Ministry e Nine Inch Nails. Já o som do novo álbum vai deixar muita gente se perguntando: isso é rock? Resposta: é quase uma reinvenção do estilo, com batidas e acordes sombrios, vocais falados, guitarras e baixos moldados ao ruído eletrônico, e não o oposto. Um som meio punk, meio industrial, mas sem os vícios dos dois estilos. Um rock com argamassa trap e dub. Não é fácil de definir mas é (talvez, quem sabe) isso.

Se der pra fazer um “para quem gosta de” com The collective, as referências são Patti Smith, Yoko Ono, Lydia Lunch e, talvez, até Talking Heads nos vocais angustiados de The believers. A última faixa, Dream dollar, daria até para tocar numa festa gótica, mas nada aqui é feito pensando em divertir, e sim em dar sensação de perigo, de algo que você talvez pensasse em tentar escapar.

Como acontece no ritmo de fuga do single Bye bye (cuja letra é uma lista de compras e uma despedida) e na serra elétrica de I don’t miss my mind e I’m a man – esta, um diálogo-sem-diálogo entre mulheres e machos tóxicos. O mais próximo do lado psicodélico do disco está em Psychedelic orgasm, e a faceta mais pós-punk do álbum está na guerrilheira It’s dark inside, que mistura política, medicina e desconhecimentos sobre o corpo da mulher (“eles não ensinam sobre clitóris na escola como deveriam”, vocifera).

Shelf warmer, aberta com vocais sussurrados, batidas, ruídos, é uma das melhores do álbum – e continua a tradição do disco, de manter o ouvinte sempre em compasso de espera para algo que pode acontecer. E que acontece entre versos cuspidos e músicas que indicam ação, luta, movimentos cuidadosamente estudados. Como numa briga.

Nota: 8,5
Gravadora: Matador

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