Crítica
Ouvimos: Julia Branco, “Baby blue”
- Baby blue é o segundo disco de Julia Branco, produzido por Ana Frango Elétrico e gravado no Estúdio 304, por Chico Neves, entre outubro de 2021 e junho de 2022. Antes havia saído Soltar os cavalos, seu debute, de 2018.
- O disco quase se chamou A dança da memória: Julia havia ficado grávida, tido a filha Cora e temas como feminismo, pandemia e doenças da ansiedade no mundo digita estavam em sua mente quando o álbum começou a ser feito. “Comecei a pensar o disco no auge da pandemia em 2020. Comecei a esboçar canções pensando naquele momento, na coisa do ‘cadê o futuro?'”, conta.
- “Baby blues é um termo usado pra se referir a um estado que a mulher pode ter depois do parto. Você fica melancólica, tem uma queda hormonal. Tem também o blues como desejo sonoro. Falava muito no início que queria que o disco soasse como Marvin Gaye, que tivesse essa coisa de dançante meio calmo, essa malemolência que vem do desejo do blues”, diz Julia no texto de lançamento, falando sobre a origem do nome do disco.
Antes de serem discos musicalmente bons, os dois álbuns de Julia Branco (Soltar os cavalos, de 2018, e o novo Baby blue) são de fácil identificação. Como letrista, Julia investe em canções que falam de seu interior particular, dos desejos e medos que surgem a cada dia, das perguntas que todo mundo se faz a cada momento – ainda mais após a pandemia, e, no caso dela, ainda mais após a maternidade (a filha Cora surge rindo na faixa de abertura, uma espécie de vinheta infantil psicodélica, In/to Cora, repleta de efeitos).
Baby blue, o segundo disco, joga mais luz nos mistérios do mundo do que nas dúvidas pessoais. Após a vinheta inicial, segue com o pop abolerado e tranquilo da faixa-título, jogando o foco num “a gente” que tira o foco um pouco da autoafirmação do disco de estreia – este, aberto com a suave e confiante Sou forte. O balanço de Fim e começo, uma MPB com influência sixties e arranjo lembrando os Novos Baianos da estreia É ferro na boneca (1970), usa imagens fortes para falar dos efeitos da gravidez e do parto.
O álbum posiciona Julia do lado de uma MPB que tem preocupação com baixo-e-bateria, com arranjos mais ritmados e menos fluidos. Daria até para dizer que ela e Ana Frango Elétrico (a produtora) trabalharam tendo como missão-visão-valores um parâmetro de rádio de música brasileira. Ainda que seja uma rádio bem etérea, unindo a eficiência musical e o tom solar dos anos 1980 e a variedade dos 1990.
Já músicas como Silêncio, quase um tecnopop orgânico, o reggae Tempo lento (“não me acelera com sua mensagem/que eu não vou conseguir responder”) e a mutante Fora da curva (“eu nunca senti que eu fizesse parte da manada do mundo/sou inadequada, desacabelada, cabeça de vento”) servem como manifestos geracionais, declarações de princípios e nortes de atitude musical e comportamental. Muita gente vai ouvir Baby blue e se encontrar ali.
Gravadora: Dobra Discos
Nota: 8
Foto: Silas H/Divulgação