Crítica
Ouvimos: Guided By Voices, “Universe room”
Comandado há décadas pelo cantor e compositor Robert Pollard, o Guided By Voices vem trabalhando há alguns anos em esquema de incontinência criativa. O grupo chega a lançar até três discos por ano, e Robert, como comandante do projeto, faz com que cada álbum seja envolvente — mesmo quando a sonoridade não varia tanto entre eles. A fórmula do Guided By Voices se resume a uma energia crua que mescla a intensidade do grunge com a pegada melódica do heartland rock (aquele rock simples, pesado e apegado a raízes country e folk, mesmo tendo guitarras em profusão), mas com mumunhas de experimentação musical que geram, às vezes, várias partes e segmentos até em canções curtas.
Universe room, mesmo não sendo tão brilhante quanto os discos imediatamente anteriores, traz algumas mudanças no cenário. São 17 músicas em trinta e nove minutos, e boa parte das faixas viaja em duas, três partes diferentes, quase transformando o álbum numa melancólica ópera-rock. Um outro detalhe é que Pollard faz com que o álbum soe lo-fi em vários momentos, e seu vocal parece bem mais angustiado que o normal (cabendo desafinações às vezes).
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Driving time, na abertura, traz voz e violão gravados como se viessem de uma fita K7, com ruídos de fundo como se tudo tivesse sido gravado numa oficina ou fábrica – na sequência, vai se tornando um rock entre o industrial e o psicodélico, com uma letra repleta de imagens pra lá de cruas: “vamos carregar flechas envenenadas/estou suando lençóis de chuva (…)/deixe-o andar na ponta dos pés no sangue/e eles não poderiam voltar”. O uso de gravações “de campo” retorna no instrumental The well known soldier e, no desfecho do álbum, Everybody’s a star brinca com o formato das antigas transmissões de rádio. A faixa traz uma guitarra solitária, evocando a imagem de um artista isolado no palco—ou diante de um estádio lotado.
De grudar no ouvido, tem The great man, que abre com cordas evocando a trilha do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, e prossegue em meio a uma argamassa grunge, de guitarras pesadas. Destaque também para Clearly aware, com guitarra e bateria dividindo-se em canais diferentes, como num estéreo “sujo” – a melodia lembra The Who, que parece ser uma das maiores referências do GBV desde sempre. E para Fly religion, música de ritmo e andamento constantes, um power pop que lembra uma cruza de Pixies e Badfinger. Já bandas como Pink Floyd, Neil Young & Crazy Horse, Beatles e R.E.M. parecem ter sido referências em momentos de faixas como I couldn’t see the light, Independent animal, I will be a monk e a suíte de bolso 19th man to fly an airplane – aberta com ruídos de avião e levada adiante com andamento idêntico ao de The Jean Genie, de David Bowie.
O excesso de faixas em Universe room resulta no problema clássico de discos longos: algumas ideias poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. Isso acontece, por exemplo, na hendrixiana Hers purple e na apocalíptica Play shadows, o que acaba ofuscando momentos mais inventivos, como Aesop dreamed of lions, perdida no meio do caminho entre uma enormidade de faixas. Ainda assim, se o Guided By Voices voltou disposto a explorar novas possibilidades em um mercado musical tão estranho, parabéns para eles.
Nota: 7,5
Gravadora: Guided By Voices Inc
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.