Crítica
Ouvimos: Green Day, “Saviors”
- Saviors é o décimo-quarto disco de estúdio do Green Day, o trio de Billie Joe Armstrong (voz, guitarra), Mike Dirnt (baixo) e Tré Cool (bateria). O disco foi apresentado ao público por intermédio de singles como The american dream is killing me, e por shows-surpresa (um deles, dado em Las Vegas).
- O disco novo sai ao mesmo tempo em que chega às plataformas o clipe de Bobby sox, uma das faixas. O clipe traz encontros entre amigos e beijos entre vários casais. “É a música dos anos 1990 que nunca escrevemos. Começou sendo uma canção que escrevi para minha esposa, mas quando se materializou, eu quis modificar e acrescentei: ‘Você quer ser meu namorado?’ no lugar de ‘Você quer ser minha namorada?’… Então a música torna-se uma espécie de hit universal”, diz Billie.
O Green Day nunca pareceu tão perdido e equivocado quanto no disco anterior, Father of all motherfuckers (2020) – álbum que, por sinal, tem um número bem grande de fãs, que viram sentido naquela (é nossa opinião, foi mal) maçaroca indie-garage de menos de meia hora. Já Saviors chega no mercado soando como o disco que o Green Day queria fazer há quatro anos mas (possilvemente) se sentia desmotivado e sem assunto. O trio é uma daquelas bandas sempre a postos para despertar o interesse dos fãs e futuros fãs – numa onda análoga a do U2, também bastante competente em sempre convencer todo mundo de que o melhor ainda está por vir. E voltou compilando tudo o que sabe fazer com competência.
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Impossível não comparar o resultado com álbuns como Dookie (1994) e American idiot (2010), ambos produzidos pelo mesmo Rob Cavallo do novo disco, mas vale observar que o Green Day volta disposto a fazer música grudenta e parece bastante influenciado por uma onda bem power pop e revivalista. Como no clima Ramones de Living in the 20’s e 1981 (essa, brincando com a nostalgia dos anos 1980, traz um verso que poderia ter sido escrito por Dee Dee Ramone: “ela é uma Guerra Fria na minha cabeça/e eu sou Berlim Oriental”). Ou na sonoridade meio Kiss-meio Weezer (é possível!) de Corvette summer. Ou no romantismo quase punk-beatle de Bobby sox. Que por sinal, já ganhou um clipe bem bacana – veja lá pra baixo.
Há também um pouco do clima mal humorado de Insomniac (1995), mas sem a mesma tendência depressiva e adolescente: The american dream is killing me, focando no retorno de Donald Trump à política, é uma crítica direta e madura (madura ao estilo Green Day, claro) à montoeira de sonhos destruídos e pessoas excluídas no dia a dia dos EUA. Look ma, no brains! abre com o verso-referência “não sei muito a respeito de história”, que soava cool e inocente na abertura do hit clássico Wonderful world, de Sam Cooke. Só que a música do Green Day não fala de um adolescente apaixonado, e sim daquele sujeito sem cultura, com posicionamentos políticos e atitudes lamentáveis, que a gente vive esbarrando em cada esquina. O punk palhetado Strange days are here to stay é auto-explicativo, misturando algoritmos, neo-fascismo, uberização e a noção de que o perigo, imaginado ou não, está em cada um de nós – além do verso “dias estranhos vieram para ficar/desde que Bowie morreu”.
Já o lado “hino” do Green Day, que já deu ao mundo Wake me up when september ends e Good riddance, volta meio chatonildo em músicas como Fancy sauce e Father to a son – essa, pelo menos ganha pontos por ser uma reflexão sincera a respeito do relacionamento pai-filho, com versos formidáveis como “nunca soube que o amor poderia assustar mais do que a raiva”. Dilemma, música que até a Rolling Stone tratou como um baita futuro hit, vale como diário das questões pessoais de Billie Joe, mas musicalmente soa como uma mescla mais-do-mesmo de Bad Religion e Foo Fighters. Agora, pra ouvir no repeat e esquecer os vacilos, tem Green Day influenciadíssimo pelo Teenage Fanclub dos bons tempos na ótima Suzie Chapstick. Nem tudo é excelente em Saviors, mas as qualidades são bem superiores aos defeitos.
Gravadora: Reprise Records
Nota: 8,0
Foto: Reprodução da capa do álbum.