Crítica
Ouvimos: Femi Kuti, “Journey through life”
Femi Kuti, 62 anos, filho do gigante do afrobeat Fela Kuti, não é de medir palavras – muito menos seu falecido pai o fazia. Journey through life, antes de ser um disco que aponta para vários lados diferentes da música dançante africana, é um disco de protesto. A jornada de Femi pela vida é contada musicalmente por intermédio de uniões entre afrobeat e jazz (a faixa-título, Chop and run, Oga doctor), afropunks (Shotan, tão ágil que lembra um frevo), highlifes legítimos (Think my people think, After 24 years) e climas afrocubanos (Corruption na stealing). Sobreposições de ritmos marcam todo o repertório, a ponto de tudo ganhar um aspecto incomum em faixas quase inclassificáveis, como Last mugu.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O protesto de Femi mistura o político e o pessoal. Femi relembra as violências e traições cometidas pelo governo nigeriano contra sua família (Chop and run), denuncia a ganância e a usura (Journey through life), e traça um retrato quase jornalístico da crise histórica do país em After 24 years, com direito a dados, datas e contexto. Em Think my people think e Politics don’t expose them, ele provoca reflexões sobre como tantos políticos conservadores seguem enganando o povo. Já Corruption na stealing é uma pérola à parte – é uma obra de arte digna das letras que Bezerra da Silva gravava, avisando que o corrupto profissional não pula muro pra roubar nada de ninguém, não deixa rastros, não é enquadrado no artigo 155 nem no 157, e ainda cai pra cima.
Femi, vale dizer, é aquele tipo de músico que conseguiu sair totalmente da sombra do pai – ainda que siga uma receita musical que Fela ajudou a transformar em arte. Em Journey, ele surge como continuador de uma nobre arte que muitas vezes só chega a uma audiência maior quando é absorvida pelo pop branco dos EUA e Europa. Ouça Journey through life como um ato político.
Nota: 9
Gravadora: Partisan Records
Lançamento: 25 de abril de 2025.