Crítica

Ouvimos: clipping., “Dead channel sky”

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Quinto álbum do clipping., grupo de rap cyberpunk de Los Angeles, Dead channel sky está mais para uma mixtape muito bem fornida, e repleta de experimentos de estúdio – alguns bem sucedidos, outros nem tanto. É um álbum longo (53 minutos) e que dá nervoso. Na verdade, parece que te amarraram numa cadeira, ligaram uma tela enorme na sua frente e te obrigaram a ver um documentário sobre teorias da conspiração bem estranhas envolvendo grandes corporações, meios de comunicação, internet.

Para aumentar o nervoso, temos aqui a prosódia ágil de Daveed Diggs, o rapper do clipping. – trio formado por ele e pelos produtores William Hutson e Jonathan Snipes. Se você quiser acompanhar as letras do grupo, ainda que leia no encarte (ou em algum site de letras), vai acabar esquecendo de acompanhar tudo para tentar entender como ele faz para falar e rimar tão rápido. Não é uma rima de fôlego: na verdade Diggs parece estar contando tudo sem expressividade alguma no rosto, com falas entrecortadas como se ele dissesse “isto é uma gravação” – mas num tom ameaçador e grave que faz qualquer pessoa parar para ouvir.

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Com título roubado do romance Neuromancer, de William Gibson, Dead channel sky é mais um disco de histórias entrecortadas e frases ríspidas do que um álbum de storytelling. Faixas como Intro, Change the channel (que lembra Prodigy), Scams e Run it criam raps e batidas sobre ruídos de conexão discada (!). Go tem ruídos de ligação e microfonias que chegam a dar vertigem – e lembram mais um experimento pós-punk do que algo ligado ao hip hop. O clima fica mais sombrio em Dodgeer e Malleus, que parecem continuação uma da outra.

Diggs faz questão de lembrar que as perigosas gangues de rua hoje existem na internet, e que a www “é como a rua no sentido de que ainda é uma armadilha”. Change the channel, uma das melhores faixas do disco, diz que, no fim das contas, tudo é guerrilha: “Mire a mira laser, ninguém deveria estar aqui mais / recupere o fôlego, lata de gasolina pronta, isqueiro no chão”. No que é completado pelo convidado Aesop Rock em Welcome home warrior, hip hop quase old school, embora repleto de ruídos à guisa de melodia e beats – e cuja letra enigmática parece transformar seres humanos em robôs que torcem para big techs: “sua dedicação em moldar o dia a dia / para um lugar que combina com a congregação de pixels para a qual você reza / definitivamente faz de você um da tribo”.

O rap, de modo geral, veio para mostrar que só sobrevive quem é cria da rua. O clipping., por sua vez, revela um novo mapa: já não existe uma rua da qual se possa ser cria. E, na imensidão da avenida digital, o perigo nem sempre vem de onde se espera.

Nota: 8
Gravadora: Sub Pop
Lançamento: 14 de março de 2025

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