Crítica

Ouvimos: Cat Power, “Cat Power sings Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert”

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  • Cat Power sings Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert é o décimo-segundo disco – e primeiro álbum ao vivo – de Cat Power (nome artístico da cantora norte-americana Charlyn Marie “Chan” Marshall). O disco reproduz o show que Bob Dylan deu em 17 de maio de 1966 no Free Trade Hall, em Manchester, Inglaterra – a apresentação mais importante de uma tour na qual ele foi vaiado por mudar do som acústico para o elétrico.
  • Por causa de um lançamento em disco pirata com título errado (aliás um dos primeiros bootlegs de todo os tempos), o show de Dylan passou para a história como tendo sido dado no Royal Albert Hall. A cantora decidiu regravar o repertório do show de Dylan em Manchester em disco, mas manteve o título histórico.
  • O show de Cat foi gravado em 5 de novembro de 2022, no Royal Albert Hall, em Londres. Ao lado dela no momento mais ruidoso do show, o guitarrista Arsun Sorrenti, o baixista Erik Paparozzi, os multi-instrumentistas Aaron Embry (harmônica, piano) e Jordan Summers (órgão, Wurlitzer) e o baterista Josh Adams. A produção do disco foi feita por Andrew Slater ao lado de Cat.
  • “Eu tinha e ainda tenho muito respeito pelo homem que criou tantas músicas que ajudaram a desenvolver o pensamento consciente em milhões de pessoas, ajudaram a moldar a maneira como elas veem o mundo”, diz Cat Power. “Então, mesmo que minhas mãos estivessem tremendo tanto que eu tive que mantê-las nos bolsos, eu senti uma dignidade real por mim mesma. Pareceu uma verdadeira honra para mim estar ali”.

Chan Marshall, a popular Cat Power, é uma mulher de coragem. Muita coragem, eu diria: não se encara o repertório de Bob Dylan sem uma boa dose de autoconfiança e compromisso extremado com a verdade. Mesmo que seja uma verdade que só diga respeito a você, e a mais ninguém. A não ser, claro, que seu negócio seja apenas tirar uma onda com um repertório clássico ou prestar uma homenagem qualquer a Dylan – e vale lembrar que a obra do cantor vem sendo interpretada há anos, inclusive aqui no Brasil (e em português) com resultados que vão do bom ao totalmente desastroso.

  • Um pouco mais sobre o disco de Cat Power e sobre o show original de Dylan aqui

No caso de Cat Power sings Dylan: The 1966 Royal Albert Hall Concert, a coisa fica bem mais complicada: não é apenas um repertório. É um show histórico, uma época, uma referência histórica que soa quase como reproduzir a descoberta do Brasil. Mais que isso: o show de Dylan foi uma mudança de rota que passou a guiar todo o universo da música a partir de então. O próprio embate entre tropicalistas cabeludos e MPBistas herdeiros da bossa, que rolou por aqui nos anos 1960 (com direito a “passeata contra a guitarra elétrica”), vem desse desgosto com a eletrificação do som do cantor norte-americano.

No caso, o direito de errar passa longe: Cat correria o risco de soar falsa, cair na caricatura, cair na reprodução sem graça. Havia o risco de tentar “revolucionar” a obra de Dylan com arranjos diferentes – coisa que felizmente ela não fez. Cat resolveu o dilema dando ao repertório um tratamento reverencial, mas que a coloca como uma boa intérprete do cantor. Ao contrário do vocal bonito apesar de esganiçado de Dylan, a voz dela traz um clima de aconchego quase comparável ao de Joni Mitchell. E e dá credibilidade (digamos assim) a clássicos como Visions of Johanna, She belongs to me, Tell me momma, It’s all over now baby blue, Just like a woman e outros.

O tratamento dado às faixas passa também pela sua banda, e pelo fato do show original de Dylan ser fielmente reproduzido. Até mesmo na passagem do acústico para o elétrico, e com direito a um maluco gritando “Judas!” da plateia em Ballad of a thin man (Cat responde com um “Jesus!”, como se dissesse “não é possível que alguém fez isso”). Nesse lance de regravar e homenagear, tudo é possível mas nem tudo convém. De qualquer jeito, Cat, que tem experiência com o assunto – já é o quarto álbum de covers feito por ela – conseguiu contextualizar o show de Dylan com um disco bonito.

Nota: 8
Gravadora: Domino

Foto: Reprodução da capa do álbum.

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