Crítica

Ouvimos: Arnaldo Antunes, “Novo mundo”

Published

on

Um crédito nem sempre dado a Arnaldo Antunes é que sua produção, mesmo no caso de discos experimentais como a estreia solo Nome (1993), sempre tem um lado extremamente popular. Tudo de Arnaldo é de fácil identificação, e feito para ser entendido imediatamente. Mesmo o que não parece “canção” na acepção da palavra, e mesmo o que mais soa mais revolucionário ou desbocado.

Daí não é estranho observar que esse Novo mundo, mesmo tendo um entendimento bem pós-punk da MPB e da música em geral, é basicamente um álbum de canção popular, com Arnaldo soltando letras como se fossem conselhos, frases para anotar ou até slogans certeiros. Na faixa-título, com participação do rapper Vandal (e citação de sua letra Mundanoh), reside algo do Roberto Carlos do hit Apocalipse. Sem o conservadorismo da canção do Rei, claro – e com um arranjo que é basicamente música eletrônica ambient.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

O amor é a droga mais forte é pós-punk sombrio, com bits de eletrônica em meio a guitarras e batidas quase industriais. E nem precisa forçar muito a barra para Body corpo, parceria com David Byrne (com letra traduzida para o inglês cantada pelo norte-americano) se parecer com algo dos Talking Heads, ainda que com argamassa sonora de samba.

Essa visão “pós-punk” da MPB dá uma descansada em faixas como o acalanto Acordarei, o reggae-rock É primeiro de janeiro e na jovem guardista Pra não falar mal. Esta, um legítimo chacundum, com participação de Ana Frango Elétrico, em que versos e linhas vocais parecem brotar alternadamente, um de dentro do outro. E cuja letra, corajosamente, propõe que fogo não seja combatido com fogo (“não seja malcriado / com quem é malcriado com você / não seja intransigente / com quem é intransigente com você”). Pra brincar, com Tomé Antunes, filho de Arnaldo, na guitarra, é mais próxima da MPB e até do som de Caetano Veloso e Gilberto Gil (a própria guitarra de Tomé indica essa sonoridade).

Tire o seu passado da frente é um synthpop que traz de volta a zoeira da época dos Titãs, só que misturada com o clima sombrio de bandas como o Suicide – além de uma segunda parte em clima dub. A letra é extremamente assertiva, e evoca o recomeço diante dos piores pesadelos (“não é porque foi oprimido que vai virar opressor / não é porque foi abusado que vai ser abusador / não é porque foi detido que vai virar ditador”).

Chegando no final, Não dá para ficar parado aí na porta, outra parceria com David Byrne, destaca o piano simples e bem cuidado de Vitor Araújo, que dá um ar minimalista e simultaneamente clássico à faixa – e a música remete ao lado afro e gospel dos Talking Heads, que rendeu músicas como The road to nowhere e Once in a lifetime. E Tanta pressa pra quê?, é um samba rock ligado a Jorge Ben, e igualmente linkado ao maracatu e à ciranda.

Há coisas (poucas, aliás) em Novo mundo que prometem, mas não chegam a ganhar velocidade. Sou só, com Marisa Monte, é uma canção tribalista, belíssima, mas sem tantos avanços ao que os dois já haviam feito, em dupla, ou em trio com Carlinhos Brown. E curiosamente, é acompanhado de Erasmo Carlos, um mestre da canção pop nacional, que Arnaldo faz uma das canções mais aleatórias do disco. É Viu mãe? , que tem um excelente refrão que parece enxertado à força numa melodia/letra que poderia ir além. Mas, de modo geral, Novo mundo é um grande disco, repleto de mensagens fortes e necessárias, e que soa multimídia mesmo que se restrinja à música.

Nota: 8,5
Gravadora: Risco
Lançamento: 20 de março de 2025.

Trending

Sair da versão mobile