Cultura Pop

Os outros dois: Andy Rourke e Mike Joyce depois dos Smiths

Published

on

Apesar de formarem uma cozinha elogiada, Andy Rourke (baixo, morto nesta sexta) e Mike Joyce (bateria) sempre chamaram compreensivelmente menos atenção no dia-a-dia dos Smiths. Afinal, Morrissey era o vocalista e letrista, Johnny Marr era o autor das melodias e o guitarrista – e ambos eram revolucionários bem na linha de frente. Daí “os outros dois” serem muitas vezes vistos como meros acompanhantes, pelo menos pela turma que não conhecia mais do que os hits do grupo de Manchester (o baixo e a bateria ágeis dos dois protagonizam canções da banda como Rubber ring, Some girls are bigger than others, Girlfriend in a coma e muitas outras, e olha que são três canções fáceis de achar em coletâneas).

Com o fim da banda, Johnny Marr passou um tempinho com os Pretenders e chegou a tocar com eles no Brasil em 1988, no festival Hollywood Rock. Envolveu-se com diversos projetos, teve menos projeção que Morrissey mas nunca sumiu de fato, e hoje tem uma carreira solo bastante ativa. O cantor dos Smiths, impossível não saber, foi catapultado à fama mundial a bordo de um contrato com a grandalhona EMI e o disco Viva hate (1988) – o daquele hit Suedehead. E Mike Joyce e Andy Rourke?

FORA DOS SMITHS, COM MORRISSEY

Sobre Andy, o que só os fãs mais roxos dos Smiths e de Morrissey devem ter reparado é que o baixista permaneceu um colaborador regular na carreira do ex-cantor dos Smiths por um tempinho, nos primeiros anos solo de Morrissey. Ele e Joyce tocaram como seção rítmica em duas músicas que inicialmente só saíram como singles, Interesting drug e The last of the famous international playboys, e depois foram incluídas na coletânea Bona drag (1990). November spawned a monster  e Piccadilly palare, outros dois singles de Morrissey (ambos incluídos em Bona drag) também tiveram Rourke no baixo.

O que ninguém esperava era que o baixista aparecesse como coautor de algumas canções feitas com Morrissey, e gravadas pelo cantor em lados B de singles: Yes, I am blind, Girl least likely to e a irônica Get off the stage (“saiam do palco”), esta última composta como “homenagem” ao retorno dos Rolling Stones com o disco/turnê Steel wheels (1989). Nessa época, Morrissey seguia lançando vários singles e não parecia ter pressa de lançar um álbum novo (embora já divulgasse Bona drag como possível nome de um segundo LP). Já havia críticos musicais achando que sua carreira solo era coisa-de-um-hit-só, e seu então parceiro Stephen Street, meio puto da vida com ele, costumava brindar os jornalistas com declarações do tipo “Morrissey acha que não consegue superar os Smiths e está louco para Marr voltar a compor com ele” (o cantor reclamava, mas também dizia que se o guitarrista quisesse reativar a parceria, ia correndo pra casa dele).

ANDY E MIKE NO TRIBUNAL

Aliás, para dizer a verdade, talvez ninguém esperasse nem mesmo que Rourke fizesse qualquer tipo de parceria com Morrissey ou Marr logo que os Smiths acabaram. Isso porque Mike Joyce e Andy Rourke se sentiram lesados financeiramente pelo cantor e pelo guitarrista no fim da banda, e decidiram processar os dois em 1989. A razão teria sido um contrato que dava mais grana de gravações e shows para os “patrões” e 10% para cada um dos dois outros, enquanto anteriormente havia um acerto de que todos receberiam o mesmo.

A briga (aliás, as brigas) foram tendo mais lances até o fim dos anos 1990, com Joyce lutando firme para conseguir mais dinheiro, Rourke resolvendo o caso fora dos tribunais e, um tempinho depois, tendo sua falência decretada. Joyce recebeu aproximadamente £ 1 milhão em pagamentos atrasados ​​e aumentou sua participação nos royalties para 25%.  Pior pro cantor da banda, que em 2005 chegou a declarar que o ex-baterista havia lhe custado “havia lhe custado pelo menos £ 1.515.000 em royalties recuperados e honorários advocatícios até 30 de novembro de 2005”.

MÚSICA, ENFIM

Fazer parte de uma cozinha elogiada garantiu trabalhos à dupla assim que os Smiths terminaram. Imediatamente, Rourke e Joyce foram tocar com Sinéad O’Connor, mas só o baixista aparece no disco Do not want what I haven’t got (1990, o de Nothing compares to you). Vale citar que pouco antes do fim dos Smiths, quando Rourke tinha sido brevemente sacado da banda por uso de heroína, o músico tocou com o Killing Joke, mas durou três dias com eles, e só (Geordie, guitarrista do grupo, disse que Andy era legal “mas só o vi sorrir uma vez, quando tocou uma linha de baixo do tema de Coronation Street“).

O baixista tocou também com bandas como Badly Drawn Boy (excursionou por dois anos com eles) e chegou a tocar com os mesmos Pretenders que em 1988 deram emprego a Johnny Marr . Mas foi em 1994, no disco The last of the independents (o disco do hit I’ll stand by you, da trilha da novela A viagem) e Rourke era apenas um freela do grupo, tocando em poucas faixas do álbum.

De notável, houve o Manchester v Cancer, ou Versus Cancer, evento criado em 2006 pelo baixista quando o pai e a irmã de Nova Rehman, seu empresário, foram diagnosticados com a doença. O evento durou quatro anos e logo no primeiro ano, Rourke e Marr se reencontraram no palco, e tocaram How soon is now e There’s a light that never goes out. Mais recentemente, em 2009, Rourke se mudou para Nova York, virou radialista e montou o DARK, grupo que tinha como vocalista Dolores O’Riordan, do Cranbierries (e evidentemente, o grupo durou apenas até a morte dela) e o Blitz Vega.

E JOYCE?

Joyce chegou a fazer um projeto com Rourke: o DVD Inside the Smiths, narrando histórias dos dois na banda, que saiu em 2007. Também trabalhou ao lado dele em projetos com músicos como Bonehead (ex-Oasis) e Aziz Ibrahim. E entre 1990 e 1991 fez parte de uma breve formação da banda punk Buzzcocks, que tinha retornado em 1989 após alguns anos sem shows e lançamentos. Joyce não chegou a gravar com os Buzzcocks, que só voltariam a lançar discos em 1993, com Trade test transmissions (mas com Philip Barker na bateria).

Boa parte dos trabalhos musicais mais conhecidos do baterista datam do século 21: ele virou DJ e radialista, trabalhando na BBC 6, na XS Manchester e na East Village Radio. E também é o patrono da Back On Track, ação de caridade de Manchester que ajuda a recuperar ex-sem teto e pessoas que passaram por problemas com álcool e drogas. Recentemente, os três primeiros EPs de uma banda pré-Smiths que ele teve, The Hoax, foram compilados num só LP, em celebração ao Record Store Day.

CONVERSA COM O BATERA

No ano passado, Joyce deu uma excelente entrevista ao The Irish Times e falou bastante sobre os Smiths. Revelou que em Strangeways, here we come, último disco da banda, há muitas cordas que foram gravadas com o uso de emuladores (sintetizadores?) e foram tocadas pelo próprio Johnny Marr. “A Rough Trade não colocaria as mãos nos bolsos para conseguir uma seção de cordas”, disse. “Ouvi dizer que é o álbum favorito de Morrissey, Johnny e Andy. É a única coisa em que concordamos”.

Joyce disse também ter ficado chocado com o fim da banda, porque achava que os Smiths haviam acabado de lançar seu melhor álbum. E confessou que gostaria de participar de uma reunião do quarteto, mas achava que não iria acontecer. “Se eu recebesse uma ligação de Johnny, Morrissey e Andy e eles dissessem que fariam um show surpresa na esquina em um clube jovem e que tocaríamos Strangeways, here we come para o aniversário… Só que acho que isso nunca vai acontecer. Não nos conhecemos mais. É provavelmente por isso que simplesmente não parece certo. Não seria The Smiths: seriam quatro caras que não se conhecem na casa dos sessenta”.

E NO BRASIL?

Pois é: Andy Rourke esteve no Brasil em 2014 como convidado do show de Johnny Marr na edição daquele ano do Lollapalooza. Aconteceu no dia 6 de abril, numa tarde calorenta: Marr, que havia sofrido uma fratura na mão um mês antes e parecia recuperado, lançava sua estreia solo The messenger (2013), mas tocou algumas canções dos Smiths em seu set e recebeu o amigo para tocar o hit How soon is now?. Saindo do item “Brasil”, os dois se reencontraram no palco em Nova York no ano passado.

Não foi apenas isso que Rourke veio fazer por aqui em 2014: ele veio fazer algumas apresentações como DJ, deu entrevistas e até participou de um papo no programa Coletivation, da MTV, ao lado do escritor Leandro Leal, que havia lançado o romance Quem vai ficar com Morrissey?. Numa conversa com o jornal Diário do Grande ABC (ele tinha uma data agendada num clube em Santo André, o que justificava o papo), Rourke revelou que amava o país, já havia vindo diversas vezes aqui e tinha amigos no Brasil. Os fãs mais esperançosos que não se animassem: ele avisou que uma volta dos Smiths estava descartada, e disse que nem sequer mantinha mais contato com Morrissey.

(agradecimentos a João Pequeno e Michel Munhoz)

Trending

Sair da versão mobile