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O que já dá para saber sobre esse tal de NFT

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Parece sigla de time de basquete, mas é um sistema que (até o momento) está revolucionando a maneira como as pessoas consomem música. O NFT (“non-fungible tokens”, enfim, tokens não-fungíveis) ainda era um nome pouco falado, até que o DJ e produtor 3LAU arrecadou mais de 11 milhões de dólares lançando um álbum, Ultraviolet, via leilão de tokens.

O mesmo aconteceu mês passado com Mike Shinoda, vocalista e rapper do Linkin Park. O músico soltou um single colaborativo com o rapper porto-riquenho Iann Dior e a cantora americana UPSAHL, Happy endings, pelo mesmo sistema.

No caso do single de 3LAU, o leilão rolou em várias camadas. A maior delas, nível Platinum, era uma espécie de edição deluxe (para quem pensa ainda em vinil e CD): oferecia uma música personalizada criada pelo DJ de acordo com o direcionamento de quem levasse a peça, além de um vinil, e de todas as 11 músicas NFTs do álbum, e de faixas inéditas. O vencedor deu um lance de R$ 3.666.666.

Já no caso de Mike, que se tornou o primeiro artista ligado a uma grande gravadora a valorizar o NFT, os dez melhores lances receberam a animação de uma arte feita por Shinoda (que é artista plástico) e por Cain Caser, com os lucros revertidos para o ArtCenter College of Design. A negociação foi toda feita por intermédio do site de troca Zora, que trabalha com comercialização de arte, e no qual Mike tem algumas de suas obras expostas.

ROCK BAND DO NFT

Dessa vez o Kings Of Leon anunciou que vai lançar seu novo disco, When you see yourself, nesta sexta (5), por NFT. É a primeira vez que uma banda anuncia que vai usar a tecnologia para lançar um disco.

A Rolling Stone avisa que o grupo soltou três tipos de tokens, que são parte de uma série chamada NFT Yourself: um pacote de álbum especial, um outro que oferece vantagens para quem vai assistir a banda ao vivo (cadeiras cativas na primeira fila, etc) e mais um que oferece audiovisuais com exclusividade – sendo que todos oferecem arte gráfica desenhada pelo Night After Night, time criativo que trabalha com a banda há anos. O trabalho foi todo desenvolvido por uma empresa chamada YellowHeart, que pretende “usar a tecnologia para trazer de volta valor para a música”, além de propiciar um relacionamento mais efetivo com os fãs dos artistas.

A mania da arte digital e dos NFTs andou pegando também outros artistas, como Grimes e Shawn Mendes, que já soltaram produtos dessa forma. O Kings Of Leon é, até que alguém reclame o cargo, a primeira banda de rock a se animar com esse universo. Mas a banda Portugal. The Man já havia saído na frente lançando uma criptomoeda personalizada, o ptm. A ideia da banda é “favorecer os fãs de verdade”. Para isso, eles incluem no pacote um arquivo de áudio com faixas inéditas e a capacidade de acessar transmissões ao vivo com exclusividade. A plataforma Discord, popular entre gamers, também vai ser usada para concentrar as atividades de tokens.

CRIPTOMOEDAS

A melhor maneira de explicar o que é esse tal de NFT é compará-los com as criptomoedas, como os bitcoins. Só que eles não servem apenas para reter dinheiro. Ativos como arte, ingressos e música também podem ser vendidos por intermédio deles.

O nome “não-fungível” é usado justamente porque não existe a obrigatoriedade de um determinado bem ser vendido pelo seu valor de mercado, ou trocado por algo da mesma espécie. Fungíveis são bens que podem ser vendidos pelo seu próprio valor. Materiais raros podem ser vendidos de forma não-fungível, tendo como moeda de troca a possibilidade de ter acesso a algo que poucas pessoas têm: demos, fotos antigas, trabalhar ao lado do artista, dar o direcionamento a uma música gravada por ele, uma canção exclusiva, etc.

MÚSICA MUDANDO

A ideia de lançar esse tipo de produto tem sido particularmente atraente para artistas nessa época em que não há a possibilidade de fazer shows, e a música passou a ser vista de novas maneiras. Uma olhada distraída no mercado musical já revela que tem muita gente ganhando grana de maneira diferentes com música.

O caso mais público e notório é o do empresário canadense Merck Mercuriadis, dono da Hipgnosis Sounds Fund, que andou comprando catálogos de vários artistas (uma lista que inclui de Mark Ronson a Neil Young) e se tornou em três anos, de acordo com um perfil excelente que saiu no The Guardian, “a força mais perturbadora do negócio da música”. Como dizem por aí, Merck é uma das pessoas que acordou para o fato de que a música vende muito bem uma série de coisas, de cerveja a produtos médicos, passando por filmes. Só não faz isso consigo própria.

Merck vem fazendo excelentes negócios, e só lamenta ter perdido recentemente (e para a grandalhona Universal) o catálogo de ninguém menos que Bob Dylan. “Estávamos prontos para fazer um acordo e então ela fez uma oferta com a qual não poderíamos competir. Você teria que ser uma empresa desse porte para absorver o preço que pagaram”, diz ao The Guardian.

Na reportagem sobre Merck não se fala em NFT, vale citar. Mas o empresário é um dos nomes mais vocais a afirmar que música, justamente por ser um bem que acompanha as pessoas durante várias horas de seu dia, tem que ser tratada de maneira diferenciada pelo mercado.

AÇÕES

O lance das criptomoedas aproxima (como já dá para imaginar) a música do mercado de ações – um velho sonho do ramo, desde quando David Bowie lançou seu próprio fundo, os Bowie Bonds, em 1997. A própria Rolling Stone explica que há flutuação no mercado e que o valor torna-se subjetivo ao longo dos dias. “Os NFTs operam em um blockchain, que é uma rede transparente e acessível ao público. Isso que significa que qualquer pessoa pode ver os detalhes de qualquer transação NFT”, diz o texto. Os bens podem ser renegociados posteriormente, inclusive.

Os músicos vão tentando se adaptar a essa nova realidade como podem. Shinoda destrinchou as NFTs num longo papo com a Input (o título do artigo é sensacional: “WTF is an NFT?”). Ele afirmou que já vem acompanhando o mercado faz tempo, mas que ele mesmo não conseguia se convencer a embarcar na ideia.

“Pensei: ‘Acho que a gente está pronto pra isso, mas os fãs, não. Ninguém vai comprar’. Até que neste ano vi que as pessoas estavam prontas. Pessoas normais realmente estão colecionando essas coisas. E não são apenas alguns bilionários se envolvendo”, disse, afirmando que todo um contexto se formou para que o assunto ganhasse popularidade.

MAS PRA QUE?

Shinoda responde também a uma pergunta que deve estar rondando a cabeça de todo mundo: por que diabos algum idiota iria pagar uma grana violenta por uma música em NFT se pode escutar o mesmo arquivo no Spotify? Bom, o lado de colecionador que muitos fãs têm explica tudo, até porque a pessoa pode ter a propriedade do produto vendido (e ainda ganhá-lo ao lado de outros produtos artísticos).

“Não se trata do item físico. A questão é o conceito de propriedade. É o conceito do que é valioso para um colecionador”, explica. “Sempre coloco alguma versão de uma explicação do que você está comprando, como a descrição de um produto. Você pode revendê-lo, mas não pode duplicá-lo e produzi-lo em massa. Você não tem o direito de fazer CDs com meu MP3 e ir vendê-los. A propósito, o mesmo que o YouTube. Você não pode simplesmente copiar um filme dos Vingadores, colocá-lo no ar e esperar que a Disney não te derrube”.

SO QUE…

O problema é que a popularidade do assunto não significa muito quando se observa alguns detalhes. O principal: dar lances de US$ 200 (como aconteceu no caso de Shinoda) não é uma atividade para qualquer tipo de pessoa.

Segundo: de certa forma, o cara tem que ser muito, mas muito fã para poder pensar “oba, vou ter acesso a todo tipo de material do meu artista preferido, além de ingressos para shows, demos, fotos, artes, etc”.

Como essa turma vai montar bases de fãs tão dedicadas e endinheiradas, fica por conta de cada um – fora que ingressos para shows, num universo prejudicado aparentemente a longo prazo pela pandemia, são algo que mal se imagina. É possível mirar em shows para pouco público (como o Flaming Lips vem fazendo), ou em ideias como eventos em drive-ins ou em plateias com cercadinhos para seis pagantes cada um – e geralmente não são shows baratíssimos.

PIRATARIA?

De certa forma, é o que vem acontecendo há anos no mercado de artes, em que peças exclusivas alcançam valor inestimável – e também são falsificadas, roubadas, etc. Nada garante que a pirataria digital um dia não vá bater na porta da turma do NFT, muito embora uma turma enorme argumente que isso não será necessariamente prejudicial ao meio, já que uma Mona Lisa falsificada jamais terá o mesmo valor da original (pelo menos para quem não está ligando muito para isso).

Por enquanto, a tecnologia está ajudando o mercado a conseguir avançar algumas casas numa época particularmente difícil. Vale dizer que no papo com a Input, Shinoda até evocou uma teoria que fez a alegria de muitos artistas independentes por vários anos, mas que era considerada ultrapassada por vários pensadores do meio cultural.

“Você já leu o livro The long tail (A cauda longa, de Chris Anderson)? Então eu acho que tudo se torna muito mais uma cauda longa, onde você consegue certas coisas que realmente valem a pena, como um ótimo produto ou uma grande obra de arte que vai ganhar preço alto. E então todo o resto vai cair muito, como se este NFT fosse 50 ou 20 dólares. Haverá mais disso”, acredita.

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