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O Mistério dos Cofres de Al Capone: o especial que mudou a TV

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Se você hoje em dia liga a TV em canais populares e assiste gente correndo atrás de bandidos, ou repórteres mostrando minuto a minuto qualquer coisa que esteja acontecendo na rua, fazendo de tudo para prender sua atenção (mesmo que no fim das contas aquilo tudo nem seja uma coisa que valha tanto assim o seu precioso tempo), muito disso tem a ver com um programa que foi ao ar há 35 anos na TV americana. O mistério dos cofres de Al Capone foi exibido por distribuição em várias estações de TV nos EUA em 21 de abril de 1986, marcou o retorno triunfal do apresentador Geraldo Rivera para a televisão e prendeu a atenção dos espectadores durante duas horas, incluindo comerciais.

A novidade é que o programa, caso você queira assistir, está inteiro (sem os comerciais) no YouTube. Pega aí.

The mystery of Al Capone’s vaults (vamos no original) é até hoje o especial de TV por distribuição mais visto da história. As mudanças que ele provocou na televisão foram grandes. Para começar, a partir daí foi possível ver que é possível narrar qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, em televisão. Mesmo que sequer haja uma notícia e o apresentador fique repetindo frases como “olha que interessante”, “só você mesmo, espectador, para poder ver isso tudo na TV”, e tentando convencer o espectador de que observar um bando de marmanjos fazendo (muita) força para destruir paredes é super legal.

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Não que já não se fizesse isso antes, mas o conteúdo dos cofres de Al Capone era total segredo até mesmo para a equipe e para todos ali, já que ninguém sabia o que havia lá. A ideia era apenas mostrar a abertura ao vivo (sim, foi tudo ao vivo!!) de um cofre secreto no Lexington Hotel em Chicago, antigo refugio do criminoso Al Capone.

A ideia do especial foi de John Joslyn e Doug Llewelyn, que tinham uma produtora de TV em Los Angeles e procuravam algo estrepitoso para transmitir. Joslyn leu no jornal que os historiadores da máfia Harold Rubin e Thomas Bangs descobriram a existência de uma parede de concreto no porão do Lexington Hotel, que poderia conter um monte de pertences (riquezas?) do mafioso. Havia altos rumores sobre o que poderia estar escondido lá, já que saíam até cabos elétricos do cofre. Falava-se que o local era uma adega, que escondia bebidas, que havia corpos de inimigos ali, etc etc etc.

O site Mental Floss fez uma história oral da transmissão e descobriu, entrevistando os envolvidos, algumas coisas interessantes. Primeira: as emissoras ficaram inicialmente em dúvida (e se, ora bolas, não houvesse nada no cofre?) mas pagaram para ver. Aliás, pagaram caro: 900 mil dólares em jogo para custear toda a produção. Segundo: houve uma pequena corrida no começo para tentar achar um apresentador bom para o evento, mas o comandante deveria ser alguém com cancha de repórter. Geraldo Rivera, que estava desempregado (e no começo não curtiu a ideia de apresentar aquilo) era uma opção excelente: tinha conseguido vários prêmios para a ABC, comandara por alguns anos o noticiário noturno Good night America e era um sujeito conhecido por abordar temas polêmicos.

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Para engordar o especial, a equipe foi a campo e falou com pessoas na rua sobre as escavações. Cada um tinha um palpite sobre o que havia ali: drogas, corpos, munição. Parentes de Al Capone entraram na história e alguns deles insistiram em saber o que havia lá antes de todo mundo (a equipe, claro, negou). Rolou estresse: a equipe não tinha conseguido permissão para usar dinamite até a tarde do dia da transmissão. E Geraldo fez um baita rasgo nas calças antes do show (precisaram usar alfinetes para remendar).

Bom, se você nunca tinha ouvido falar dessa história (que deu até no Fantástico, na época, com direito a BGzinho com Al Capone, de Raul Seixas), vou logo contar o final. Depois de um tempão de escavações, dinamite e de coisas que poderiam ter colocado as vidas de Geraldo e equipe em perigo – na real, houve até bem pouca preocupação com o risco de desabamento – a galera derrubou a primeira parede de concreto. E teve uma surpresa desagradável: não havia nada lá além de sujeira e garrafas vazias. Quem viu o programa esperando que houvesse dinheiro ou munição (ou cadáveres) teve outra surpresa nada bacana: descobriu que perdeu duas preciosas horas.

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Diante do desastre, Geraldo fez o que deu: pediu desculpas aos telespectadores, dispensou a equipe e foi com todos os funcionários do show encher a cara num boteco, crente que sua carreira estava encerrada ali. Não foi bem o que aconteceu: o programa deu uma enorme audiência e o apresentador voltou a fazer talk shows (Geraldo, a atração comandada por ele, foi exibido inclusive pelo SBT nos anos 1990). Depois andou se envolvendo com política. Rivera, aliás, é republicano, amigo de Donald Trump, e só não o apoiou na corrida eleitoral de 2016 por causa de comentários preconceituosos dele em relação a latinos.

No fim, foi um fracasso que deu certo. E vale a frase que um sujeito escreveu nos comentários do vídeo da transmissão, no YouTube: “Pode ser que o real tesouro seja os amigos que fizemos ao longo da caminhada!”. Ok, ele escreveu isso brincando, possivelmente.

Um pouco sobre o porão de Al Capone aqui.

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