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O especial de TV muito excêntrico dos Kinks (que virou disco)

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Muitas bandas entraram em fases psicodélicas durante os anos 1960 e o começo dos anos 1970. Lá por 1973, os Kinks entraram numa “fase teatral” que muitos críticos consideram um pé no saco, e que afastou alguns fãs que preferiam os primeiros álbuns. Ouvidos hoje, os álbuns desse período estão entre alguns dos lançamentos mais criativos e interessantes da história do rock.

Nessa época (que durou até 1976, quando a banda saiu da RCA e foi para a Arista, e voltou a fazer sucesso), o grupo fez escolhas que nunca foram muito bem entendidas, como gravar dois discos complementares – os conceituais Preservation act vol 1 e 2, de 1973 e 1974, ambos lembrando uma espécie de teatro de variedades traduzido para o universo do rock. O fato de os Kinks terem ficado um bom tempo sem se apresentar nos EUA (por causa de uma briga no palco que gerou uma proibição formal do sindicato local de músicos) fez com que Ray Davies, líder e principal compositor dos Kinks, caísse de vez na trip angilicista que já fazia parte da obra do grupo desde sempre.

Não era uma ideia tola, vale citar. O próprio Paul McCartney, já fora dos Beatles por aqueles tempos, contava histórias em canções como Uncle Albert/Admiral Halsey e Little lamb dragonfly. Os Kinks recordavam os tempos dos teddy boys, dos beatniks e da swinging London em Where are they now?, uma das melhores faixas do Preservation act vol. 1. Finalmente de volta aos EUA, a banda embarcou numa turnê em 1974 com atores, dançarinos e músicos convidados. Ray Davies divulgava os discos dando entrevistas em que tratava de separar seu trabalho do de outras bandas: declarou à Circus nunca nem sequer ter ouvido Tommy (ópera rock do Who) e que nem conhecia o Velvet Underground até bem pouco tempo atrás, apesar de Lou Reed ter falado que era fã dos Kinks.

E aí em 1974 Ray Davies teve uma ideia bem louca, que alguns fãs curtiram, outros não, e vários críticos detestaram: os Kinks fizeram um especial de TV para a Granada Television chamada Star Maker. O programa era um teleteatro em que Davies interpretava um sujeito chamado Star Maker, que era capaz de fazer uma pessoa comum virar um popstar. June Ritchie interpretava a mulher de um contador chamado Norman, que o “fazedor de popstars” queria transformar num grande astro – daí o personagem de Ray, vestido como um Ziggy Stardust de araque, convidava a plateia a ver “um experimento ao vivo” com ele. O resto dos Kinks fazia o acompanhamento ao vivo.

Só que o astro quer fazer um novo álbum conceitual para experimentar o novo sistema de gravações quadrifônicas (!) e aí decide se transformar numa pessoa comum e viver como Norman, ainda que os conflitos entre a vida de popstar e o dia a dia de um cara normal, casado, que trabalha em escritório, sejam bem evidentes. A coisa vai seguindo, vai seguindo (epa, não vamos revelar o final) e…

Bom, como acontecia com boa parte do material “conceitual” dos Kinks nessa época, o plot da história era maluco ao extremo. Em alguns momentos isso dava certo, em outros a coisa ficava bem solta – como era o caso de Star Maker. Mas os Kinks ainda fizeram mais que um especial de TV: lançaram a trilha sonora do especial. Soap opera, 14º disco dos Kinks, saiu em 16 de maio de 1975, tinha June Ritchie fazendo as vozes da mulher de Norman, e as músicas do especial, como Everybody’s a star e You can’t stop the music.

Os Kinks tinham planos para o disco: o especial deveria virar mesmo uma turnê de teatro, com o repertório do álbum. Não deu certo: Soap opera acabou ficando só numa turnê de música, com as músicas do LP sendo tocadas ao vivo. O conceito muito solto do especial de TV também estava lá, mas o disco tem coisas que são legais mesmo sendo bem excêntricas. Olha aí Ducks on the wall.

Essa fase dos Kinks daria em apenas mais um disco, Schoolboys in disgrace (1975), sobre o dia a dia de um garoto que tem problemas com as autoridades. Depois a banda seria contratada pela gravadora americana Arista e iniciaria uma fase “rock de arena” que faria bastante sucesso. A fase “teatral”, que teve lance bem interessantes, merece ser descoberta como o retrato de uma época em que o mercado incentivava excentricidades musicais em série – como óperas-rock que viraram filmes, peças, livros e ganhavam parte 2, 3 e 4. E o Who, pouco antes de gravar o disco The Who by numbers (1975), chegou a pensar na ideia de fazer um especial de TV que virava disco, mas desistiram.

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