Cinema
O dia a dia do Templo Satânico em um (divertido, pode acreditar) documentário
O termo “liberdade religiosa” tem lá seus (er) limites, pelo menos na cabeça de um monte de gente. Uma turma enorme acha extremamente aceitável que as notas de real tragam a frase “deus seja louvado”, ou que haja cruzes ornamentando praças públicas, ou que monumentos religiosos sejam construídos com dinheiro público sem que haja consulta a ninguém a respeito disso. No entanto, vá tentar construir um monumento satanista em plena rua, ou propagandear os feitos filantrópicos de qualquer culto que não se pareça nem um pouco com a religião estandardizada, que é capaz de rolar até tiro.
Quem quiser um vislumbre disso já pode se programar para assistir Salve Satanás? (Hail Satan?), documentário de 2019 dirigido por Penny Lane (sim, o nome da diretora é esse mesmo). O filme, que pode ser visto no YouTube (mas apenas para compra ou aluguel) conta a saga do Templo Satânico dos Estados Unidos para colocar um monumento à Baphomet do lado de fora do prédio do Capitólio Estadual do Arkansas, em Little Rock.
Na época, um senador estadual chamado Jason Rapert havia feto uma petição para construir uma estátua dos Dez Mandamentos no mesmo local, o que levou a turma do templo a arrumar um jeito de tentar convencer todo mundo de que, sim, a liberdade de religião preconizada pela constituição norte-americana permitia que uma estátua do capiroto pudesse ser colocada ali. Um dos líderes do Templo Satânico, Lucien Graves, tentou de tudo quanto foi jeito impedir que o monumento aos Dez Mandamentos fosse construído. Depois, a tentativa foi para convencer as lideranças do Arkansas de que a estátua de Baphomet poderia ser colocada lá.
Comparada ao dia a dia pra lá de complicado do templo, a construção da estátua de Baphomet não era (quase) nada. Fundado em 2012 como um grupo de ativismo político, o Templo Satânico costuma arranhar as discussões sobre religião e política batendo em duas vidraças bem complexas: a da intolerância religiosa e a da opressão. A turma promove happenings pra lá de discutíveis – alguns deles aparecem no filme e, a não ser que você seja muito religioso/religiosa, dá pra rir bastante.
Num espelho dos tais “dez mandamentos” da Bíblia Sagrada, o templo tem seus mandamentos próprios (todos eles, diga-se, bastante razoáveis), recorre ao escracho como forma de protesto em vários momentos, e já se envolveu até mesmo com programas escolares, como no projeto After School Satan, que ensinava coisas sobre Satã a crianças em idade escolar, e em lugares (as escolas) nos quais o cristianismo entra sem problemas. Lá pela metade do filme rola um belo histórico do “pânico satânico” que dominou a educação e a cultura pop nos EUA durante os anos 1980 e 1990 – quando um (a) adolescente o poderia apanhar dos pais só por jogar RPG ou ouvir Iron Maiden.
Vale citar que a ideia ali não é converter ninguém. Penny, cujo trabalho como documentarista inclui filmes sobre o saxofonista Kenny G e o ex-presidente Richard Nixon, resolveu falar do templo porque via muita coisa sobre eles na imprensa, mas achava que toda a cobertura não saía do superficial. Inclusive dá pra rir bastante nos momentos em que Lucien (que é o “rosto público” do Templo Satânico) é entrevistado por apresentadores de TV absolutamente abobalhados.
O trailer do filme tá aí!