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New Order com outro vocalista em 1980: teve isso?

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Na verdade quase teve um New Order com alguém diferente nos vocais – e olha que tem muito fã que se refere a isso como “Joy Division sem Ian Curtis”, o que teoricamente dá no mesmo. Um mês depois do vocalista do Joy Division sair de cena (morreu em 18 de maio de 1980), Bernard Sumner (guitarra), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria), ainda mais perdidos que cebola em salada de frutas, aceitaram fazer uma sessão de estúdio como banda acompanhante de um novo talento que a Factory estava a fim de lançar: um jovem cantor chamado Kevin Hewick. O cara da foto aí de cima.

Kevin era MUITO fã do Joy Division e já havia aberto shows da banda, mas nunca havia conversado com eles – à exceção de uma vez em que abordou Peter Hook numa lanchonete de fish and chips para dizer o quanto Unknown pleasures tinha sido importante para ele (o baixista fez que não era com ele). O cantor sabia basicamente, como todo mundo, que os ex-integrantes do JD (o nome já havia sido abandonado) estavam desolados com a morte de Ian. E permaneciam ainda sem saber o que fazer diante do fim abrupto de todos os planos da banda, que iria fazer uma excursão nos Estados Unidos antes de tudo terminar. “Eles tiveram apenas um mês desde a morte de Ian para lidar com suas emoções como indivíduos e como uma banda”, afirmou Hewick aqui.

Até então, Hewick era talvez o maior fã não apenas do Joy Divison, mas da Factory. Tentando carreira como cantor, mandou demos para várias gravadoras em 1979. Foi recusado em todas, mas surpreendeu-se de receber uma carta bem feliz de Tony Wilson, da Factory, que teria lhe dito que sua demo era a melhor do ano. Nesse texto aqui, diz que Hewick conseguiu ser escalado para abrir apresentações classe-A do selo. Aliás, ele foi o artista de abertura do show do Joy Division no evento Factory by Moonlight, no Moonlight Club – aquele mesmo do qual foi tirada  a versão do JD para Sister Ray, do Velvet Underground, que está no LP póstumo Still, de 1981.

Isso é Hewick ao vivaço, naquela mesma noite, cantando Haystack. Saiu no disco A Factory quartet, coletânea dupla de 1980 com quatro novos nomes da gravadora: Durutti Column, Blurt, The Royal Family And The Poor e Hewick. O disco ganhou um release batido à máquina, com anotações irônicas da gravadora sobre os artistas. Hewick, para a Factory, era um cara que “escreve singles sobre montes de feno e encontrar agulhas, e além do FATO de que gosta de Sylvia Plath e Clem Burke, ele tem muito a seu favor”.

Após essa faixa sair, Kevin sentou-se para esperar por um lançamento mais substancioso. A Factory começava a agir com ele daquela maneira sacana (e típica) que uma gravadora começa a agir quando percebe que contratou um artista na base do olho grande, e não sabe o que fazer com ele. Wilson tinha dito que ele estava nos planos, mas que demoraria até que Hewick entrasse em estúdio.

A hora chegou quando o dono do selo marcou um horário para ele no Graveyard Studios, em junho de 1980, com Martin Hannett (o cara por trás do som desolado do JD) na produção. Wilson tinha ligado para Hewick e dito a ele que “os JDs” tocariam na sessão, que eles queriam voltar a ser uma banda, e que tocar material alheio os ajudaria na transição para alguma coisa. Há quem diga que a coisa era um pouco mais séria e que a banda estava realmente tentando achar alguém para ocupar os vocais, e que passou pela cabeça de todo mundo que Hewick seria uma opção (Hook confessa no livro Substance: Inside New Order que sim, pensaram nisso, mas a ideia não se mostrou adequada).

O grupo não tinha lá muito tempo de estúdio e gravou só duas faixas, a manjada Haystack e A piece of fate. Hannett, na memória do vocalista, estava desinteressado da sessão: pegou no sono em cima da mesa de mixagem (!) e comparou o resultado com o som do grupo Fairport Convention. Haystack, como foi gravada naquela noite, saiu na coletânea From Brussels with love, lançada em K7 na Bélgica pela Les Disques du Crépuscule, selo fundado por Michel Duval e por Annik Honoré, ex-amante de Ian Curtis. A outra ficou inédita.

A gravação de A piece of fate acabou sendo traumática para todos os envolvidos. Para começar porque Hewick resoleu dizer a Sumner que o som da guitarra dele lembrava demais os riffs de Boredom, dos Buzzcocks. Sumner, no desequilíbrio total por causa da morte de Ian, simplesmente tacou sua guitarra (uma Gibson SG) no chão e se mandou do estúdio.

Até aquele momento, o que saísse da sessão iria para o A Factory quartet. Quando ficou claro que nada de interessante sairia de uma sessão fora de órbita daquelas, a gravadora optou por faixas ao vivo. Se você ouviu Haystack acima, na versão gravada ao vivo, percebeu: Hewick estava sendo tratado com bastante indiferença pela plateia, que mal aplaudiu. Isso rolou em todo o disco.

“Bernard mostrou alguma irritação e raiva, não comigo, apenas com coisas, eu acho. Ele jogou a guitarra no chão em um ponto e saiu do estúdio por um tempo”, recordou Hewick. A Factory, diz ele, se desinteressou rapidamente de sua carreira, até porque Wilson estava mais interessado no Hacienda, o clube da Factory, àquela altura. O cantor saiu do selo e foi gravar pela Cherry Red. Mas ainda deixou um single gravado na Factory, Ophelia’s drinking song. E em setembro de 1980, o trio restante do JD viraria New Order.

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