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Navegantes e As Águas de Ynaê: música regional, afro e marítima

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Com mais de trinta canções compostas, o grupo piauiense Navegantes e As Águas de Ynaê acaba de lançar o primeiro EP, epônimo. São apenas quatro faixas, e o tema de três das canções são os festejos de Iemanjá. Mangata, o primeiro single, teve seu nome tirado de uma expressão usada em Parnaiba (PI), e que significa “o reflexo da lua no mar que forma uma estrada”.

Formada em 2018, só recentemente a banda deixou o isolamento para fazer uma apresentação na Mostra Tremembé do SESC do Piauí, focada em música autoral. O noneto formado por Esaú Barros (voz, bandolim), Filipi Souza(bateria), Kenilson Marques (baixo), Rafael Fortes (saxofone), Raimundo Rodrigues (trombone), Marcos Victor (trompete), Dayse Bezerra (guitarra), Eduardo Speeden (guitarra), Marcos Vitor (trompetista) e Arnaldo Oliveira (percussões) agora pensa no destino das demais composições, que vêm de um período de bastante inspiração em 2019. E que fazem parte de um repertório autoral que une rock, MPB, ritmos regionais e música de matriz afro.

Batemos um papo com eles sobre o EP e as novidades de 2022.

O primeiro EP tá vindo aí, mas a banda tem mais de trinta canções compostas. Como vocês andam pensando o destino dessas músicas?

Edu: A gente fica até preocupado, angustiado de pensar como vamos dar conta de gravar todas elas… rsrs. É que nós tivemos um período muito fértil de composição e arranjos durante 2019 e conseguimos registrar muitas delas em apresentações ao vivo, como na última Mostra Tremembé aqui do SESC. Tivemos inclusive a honra de inaugurar o palco do Centro Cultural do SESC que chegou em Teresina. Tá lá no nosso canal no youtube.

Dayse: Na verdade, já temos mais 4 músicas quase prontas. Estão em fase de pós-produção no estúdio A Casa aqui em Teresina. Vai ser nosso segundo EP e vamos lançar até o meio do ano.

De onde vem o nome Mangata?

Dayse: Minha cunhada estava em viagem com meu irmão pelo litoral e me enviaram uma foto da lua cheia fazendo o reflexo no mar e eu fiquei com aquilo na cabeça de fazer uma canção que tivesse a frase “a lua no mar”. Então um dia a noite em casa com meu marido, também integrante da banda, começamos a criar a música, eu estava com parte da letra escrita e sabia que seria uma música dançante e com a pegada meio soul, meio Tropicália.

Então ele começou a puxar o ritmo com os acordes, fechamos a letra juntos, somamos tudo pra finalizarmos e assim nasceu a canção. Após isso, conversando novamente com minha cunhada sobre a inspiração para a canção, ela me relatou que mangata é a expressão usada em Parnaíba (PI) para o reflexo da lua no mar que forma uma estrada. Então foi daí que surgiu Mangata da banda Navegantes. Depois descobri que é uma palavra de origem sueca sem tradução equivalente para o português, mas que leva esse significado.

O EP vai seguir o conceito de falar do dia de Iemanjá? Como ele vem sendo pensado?

Esaú: Sim. Com exceção da música Pura poesia, o EP traz essa energia das águas junto de um misticismo festivo que tentamos transmitir através das letras e dos arranjos. Mesmo em Pura poesia apesar da letra ter outra temática, podemos sentir a conexão rítmica com as outras músicas.

Como a banda foi se juntando? A formação mudou muito desde que começaram?

Edu: Começamos Esaú e eu. Ele tinha as composições dele, eu tinha as minhas. Daí Esaú, um ser gregário, foi chamando as pessoas. Quando a gente se deu conta, já éramos nove pessoas! Nunca tinha tocado com tanta gente. É muito massa a riqueza rítmica e sonora que uma banda com naipe de metais e percussão proporciona.

Os arranjos são criações coletivas? Como tudo é decidido, musicalmente?

Esaú: Exatamente. Os arranjos são de criação coletiva. Geralmente algum compositor do grupo chega com a música, daí sentamos e tentamos sentir qual o caminho a ser seguido, o que a música está nos pedindo. Tentamos ver sempre a perspectiva de todos.

Edu: Na parte dos metais, quem toma conta dos arranjos é o nosso trombonista, Raimundo Rodrigues.

Como tiveram a ideia do nome da banda?

Edu: As composições do Esaú tem uma ligação muito forte com o mar. Navegantes veio daí. Mas teve a necessidade de um complemento por conta de existirem outras bandas com esse nome por aí. Inclusive gringas.

Esaú: Isso mesmo. A gente sentiu que precisava dessa singularidade e começamos um processo de escolha de nomes sem tirar o Navegantes, que é a palavra chave. Depois de muitas pesquisas me veio o nome “Ynaê” que é um dos nomes de Iemanjá. Daí saiu o nome “Navegantes e as águas de Ynaê”. Esse nome me deixou muito satisfeito. Tenho visto várias bandas com nomes compostos ou frases (que é o nosso caso agora… rsrs) e acho muito bacana. Pra mim lembra como se fosse um título de uma história, a nossa história de banda.

No Brasil de hoje, falar de religião afro-brasileira é falar de política. Como veem o fato de abordarem uma religiosidade que vem passando por tanta discriminação?

Edu: Vem passando ou sempre passou por discriminação? (a pergunta foi feita tendo o governo Bolsonaro e acontecimentos mais recentes em mente)

Esaú: A cultura Afro em geral sempre sofreu grande discriminação em nosso país. No meu caso, em particular, tenho uma ligação forte com essa cultura. Como praticante da Umbanda minhas letras na sua grande maioria trazem essa temática e isso me faz refletir sobre o meu papel político em uma sociedade que “demoniza” as religiões de matrizes africanas.

Já escutei inúmeras vezes falarem mal de “Exu”, “Pomba Giras”, dentre outras entidades. É cruel ver uma sociedade em que sua maioria esmagadora é composta por pessoas pretas e as mesmas não terem acesso e nem conhecimento real da sua ancestralidade por conta do domínio de uma minoria branca que impõe uma religião europeia. Com isso podemos perceber que mesmo depois de 500 anos ainda lutamos contra essa colonização que tenta sempre nos moldar aos modos europeus. Uma colonização velada que sempre tenta descredibilizar nossas tradições. Nesse contexto, nosso papel também é trazer essas reflexões para a sociedade em geral, além de exaltar a beleza e o sagrado dessa cultura.

Vocês disseram que a pandemia fez com que o processo do EP fosse bem longo. Como foi, profissionalmente falando, esse período pra vocês?

Edu: A pandemia pegou a gente bem no início das gravações do EP. Tivemos que parar tudo e a retomada foi difícil. Nosso produtor musical, Nildo Gonzalez, voltou para João Pessoa. O Raimundo Rodrigues também teve que voltar para a cidade dele, no interior do Piauí. Ficamos um tempão sem ensaiar, enfim…Conseguimos aproveitar os períodos de baixa no final de 2020 e final de 2021 para alguns registros ao vivo. Um deles, o TS Pocket Show ficou muito bonito. Está lá no Youtube também. De resto a gente literalmente parou.

Esaú: Foi um processo longo e cansativo, porém foi de grande aprendizado. Muitas coisas foram ficando claras ao longo desse período de pandemia e quando retomamos as gravações tinham coisas que pensávamos antes e que quando fomos gravar já tinha uma outra energia ou arranjo diferente. Éramos outras pessoas, outra banda com pensamentos mais maduros em relação a isso tudo.

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