Cultura Pop
Na TV, os bastidores (e as bizarrices) da música nacional dos anos 1980
Os anos 1980 marcaram a música brasileira e o pop nacional não apenas pela cachoeira de sucessos que rendeu, como também pelo enorme anedotário: jabás, picaretagens, artistas que surgiram e desapareceram, chacretes, boletes, métodos bem pouco convencionais de lançamento de artistas, apresentadores de TV com humor variável, e tudo o que você possa imaginar. E tem uma série que estreia nesta sexta (21) no Canal Brasil que recorda exatamente essa época.
Hit parade foi criada por André Barcinski (dos livros Pavões misteriosos e Barulho) e dirigida por Marcelo Caetano, estreia às 22h30 (todos os episódios estarão disponíveis nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay), e mostra as histórias dos produtores e compositores de hits da época, por intermédio da briga dos produtores musicais Simão (Tulio Starling) e Lídia (Bárbara Colen) com o caça-talentos picareta Missiê Jack (Robert Frank). E o elenco ainda tem participações dos cantores Maria Alcina, Edy Star e Ovelha.
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Quem leu o livro Pavões misteriosos, de André, que conta a história do pop nacional feito entre os anos 1970 e o início do rock dos anos 1980, vai reconhecer muita coisa na série. E o livro também havia inspirado a série documental História secreta do pop brasileiro, que Barcinski havia feito há alguns anos, com entrevistas com Harmony Cats, Paulo Massadas, Mister Sam, Dudu França, Odair José, Genghis Khan e vários outros. Tanto História secreta quanto Hit parade foram pensadas na mesma época, por sinal.
“Mas como a série dramática tem uma produção muito mais difícil, digamos assim, acabou que ela saiu bem depois da outra – aliás mais de dois anos depois. Mas as duas nasceram do livro, porque foi ali que eu consegui ter acesso a essas histórias e às pessoas que inspiraram as duas séries. São trabalhos complementares”, recorda André, que levou muito dessa realidade dos anos 1980 para a telinha, a partir de personagens como o apresentador Lobinho (Odilon Esteves), uma brincadeira com Edson “Bolinha” Cury.
“É um universo muito rico. Esse universo do pop brasileiro dos anos 1980 parece ter sido uma obra de ficção, de tão bizarro que ele era. Porque se você vai criar um personagem tipo o Bolinha e você é um autor de ficção, as pessoas podem até achar que você estava exagerando. ‘Não, ele não pode usar esse tipo de camisa, não é verdade!’ Mas ele usava!. É muito bizarro”, conta ele, que com Caetano, pôs na série até mesmo um grupo de dançarinas bastante parecidas com as “Boletes” do Bolinha (no caso, para o programa do Lobinho).
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“E também houve a maneira como alguns desses artistas brasileiros foram criados. Mas as histórias estão aí e são de conhecimento público. Nem tivemos que exagerar nada. Às vezes até tem que ficar um pouco mais comedido para não parecer que você está inventando alguma cascata. Mas o tipo de personagem que o pop brasileiro dos anos 1970 e 1980 gerou é esse aí, que parece até ficção”, diz Barcinski, que em Pavões contou histórias como a do dia em que uma rádio ganhou um jabá para não tocar um sucesso do cantor Ritchie, ou de quando Wando ganhou uma grana para passar por cover de si próprio num disco.
Por trazer cantores como atores, a série serve como homenagem ao pop brasileiro e a alguns de seus construtores. “São nomes que eu acho que são muito importantes e estão por aí. Pegamos alguns personagens e demos para esses ícones. O Bartô, personagem do Ovelha, era muito menor, mas quando conseguimos a presença dele, criamos uma cena em que ele toca violão. É muito legal poder dar a visibilidade que eles merecem, ainda mais numa série que fala sobre o período em que eles tiveram seu maior sucesso. A Maria Alcina vendeu disco pra cacete: Fio Maravilha, Prenda o Tadeu“, conta. “O Edy Star em 1974 fez um disco inteiro pela Som Livre, que foi o primeiro disco LGBTQI+ do Brasil. Tudo que se fala hoje sobre busca da identidade, esse cara já estava fazendo há mais de 40 anos”.
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“E o Ovelha, além de ser um puta vendedor de discos, tem uma carreira curiosa, engraçada, vencedora. Foi cantor de baile no Recife, cantava nos puteiros do Pina, e foi descoberto pelo Chacrinha num show de calouros. Veio para São Paulo e estourou”, conta. “O Ovelha é um ator muito engraçado, é uma das pessoas mais engraçadas que eu já conheci. Já falei para ele 50 vezes, que ele tinha que fazer um stand up da história da música brega. Sou louco para fazer uma peça com ele, ia arrebentar. Ele contando histórias de bastidores, das caravanas com Bolinha, Chacrinha. Há uns quatro anos ele fez um evento com o Gugu Liberato em que ele estava fazendo tratamento de pele com ácido e ficou uma semana envolto em bandagens. Tiraram as bandagens no programa do Gugu! Muito engraçado”.
Justamente por ser uma época cheia de práticas pouco ortodoxas e politicamente incorretas, os anos 1980 parecem de fato um conto de ficção para quem vive os dias de hoje. Essa magia ajuda a tornar Hit parade mais interessante.
“Comparado com a indústria musical hoje, era uma época de amadores. Tudo foi profissionalizado, até mesmo o jabá hoje é mais profissional do que ele era antigamente. As grandes empresas de streaming fazem jabá de uma forma em que você nem sabe que está consumindo jabá, com os algoritmos, com artistas falsos que a própria plataforma cria e põe nas playlists. Esse nível de eficácia os anos 1980 não tinham. Comparados com os atuais, os da época eram escoteiros”, brinca.
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“Havia um romantismo na indústria musical que não existe hoje. É só você ver a quantidade dos artistas que estão no topo da paradas, que vai diminuindo ano a ano. A história de que a internet veio para democratizar a música é uma balela. Você tem um mercado muito monopolizado, com poucos artistas ganhando percentualmente o que nunca ganharam antes, e uma massa ganhando quase nada”, conta. “Nos anos 1980 pessoas podiam se dar bem e fazer sucessos do nada, bastava ter um pouco de tino comercial, sorte e talento. Você podia criar ídolos como Magal, Gretchen, Ovelha. Ou os Black Juniors, uns moleques feirantes que o Mister Sam foi lá e transformou em hit. Acho muito difícil que isso aconteça hoje. Ficou muito mais sem graça e previsível”, conta.