Cultura Pop
E os 30 anos de Piece Of Cake, do Mudhoney?
A contratação de nomes como Tad, Babes In Toyland e Mudhoney por grandes gravadoras após o estouro do Nirvana com Nevermind era, sim, a prova viva de que a onda de Seattle tinha vindo para mudar esquemas que pareciam dados como certo havia um bom tempo.
Grupos mais alternativos eram vistos como salvações da lavoura, e gigantes do entretenimento eram vistos oferecendo contratos que, se não eram milionários, pelo menos deixavam certos artistas e certos grupos bastante à vontade no que dizia respeito a temas como controle artístico e distribuição dos álbuns (este último, vale dizer, era o ponto que tirava vários grupos de gravadoras pequenas, que muitas vezes não podiam garantir fabricação constante de discos, e sua chegada a lojas nos cafundós).
A vez do Mudhoney, um dos pilares do grunge, chegava após dois álbuns e alguns singles pela Sub Pop, gravadora fundada por dois amigos do grupo de Mark Arm (voz, guitarra), Steve Turner (baixo, guitarra), Dan Peters (bateria) e Matt Lukin (baixo, voz). O Mudhoney queria largar o dia a dia de gravações baratas, pagamentos feitos com dificuldade e álbuns com tiragens econômicas, mas ainda assim a ida para uma grande gravadora assustava o grupo.
A banda foi para a Reprise em 1992, mas sabia que estava pisando em terreno perigoso. E, em especial, não queria ficar em débito com a gravadora, nem estava esperando vender os milhões do Nirvana. O contrato foi modesto, a grana inicial foi pequena e, antes de optar por lançar o terceiro disco, Piece of cake, por lá, houve corrida de gravadoras como Geffen e a indie Caroline atrás do grupo.
A banda achou que seria tratada como “um irmão mais novo de Nirvana e Sonic Youth” na primeira. No papo com a segunda, a banda diz ter ficado assustada com a proposta de adoçar as guitarras do grupo, e de transformar em algo mais palatável o som meio psicodélico – meio distorcido do Mudhoney. Que como se sabe, foi inspirado por audições de Stooges e de bandas de garagem pouco conhecidas. “Nós nunca fizemos um disco com Butch Vig (produtor de Nevermind) e nunca faremos”, chegou a dizer Mark em 1993.
E aí que Piece of cake (lançado em 13 de outubro de 1992) era uma continuação natural, só que mais bem humorada, de Every good boy deserves fudge (1991), o disco anterior. O Mudhoney voltava unindo psicodelia, distorções, pré-punk e pré-hardcore feitos como se o punk e o hardcore ainda estivessem por serem inventados e o estilo musical ainda fosse chamado de “rock pauleira”. E mandando bala em sons toscos, feitos para quem é fã tanto de Stooges e Sex Pistols quanto dos primeiros discos do Deep Purple. O grupo retornava igualmente espalhando vinhetas engraçadinhas pelo disco, feitas cada uma delas pelos quatro integrantes da banda como faixas-solo, algumas com sons indistinguíveis, outras sem margem de dúvidas (como o excerto de baixo e peidos antes do punk Ritzville).
Os hits que todo mundo viu na MTV foram Suck you dry, um desventura amorosa narrada em meio a uma das canções mais pesadas do grupo, cujo clipe era uma paródia da comemoração de “dez anos do grunge”, com direito a uma brincadeira com o logo da Sub Pop. E a desencantada e psicodélica Blinding sun, uma das faixas do álbum que pareciam mais inspiradas por um velho contratado da nova gravadora da banda, Neil Young – no caso essa e a quase folk Acetone, que fechava o disco. O repertório do disco tem faixas que poderiam tranquilamente ser resolvidas com violão e voz, mas que ganhavam órgãos Farfisa toscos, guitarras distorcidas (os pedais Super-Fuzz e Bigmuff) e vocais angustiados, como se não houvesse amanhã.
O descontentamento com o star system e com a maneira como o sistema colocava artistas em caixinhas parece ter servido de combustível para Piece of cake, o disco de músicas como Living wreck (essa, dizem, foi feita para Courtney Love) e I’m spun (“eu poderia bater em todos vocês/quando me vir, melhor você correr”). Ou de When in Rome, que Mark Arm chegou a definir como sua primeira letra política. “Ela fala da perspectiva de uma pessoa branca de classe média alta, totalmente inconsciente do que está acontecendo ao seu redor”, afirmou.
Conrad Uno, dono da gravadora independente Popllama e do estudio Egg, de oito canais, produziu o disco e auxiliou a banda na busca de uma reação sonora à imagem que as pessoas faziam do “grunge”. Em vez de blusas de flanela compradas na loja mais próxima, sons que Roky Erickson e Iggy Pop talvez aprovassem. Na capa, ilustrada pelo músico e desenhista australiano Ed Fotheringham, nada que indicasse que se tratava de um disco de rock lançado em 1992: desenhos que poderiam ter sido feitos para uma revista dos anos 1950, tipografia retrô que lembrava antigos créditos de filmes.
Tanto Piece of cake quanto Nevermind acabaram ajudando mais a cena indie do que se imaginava. A Sub Pop ganhou uma boa grana pelos contratos encerrados, ficou com os discos anteriores de Nirvana e Mudhoney (no caso da primeira banda, rolou uma parceria com a Geffen/DGC) e Suck you dry, primeiro single do Mudhoney pela nova casa, ganhou uma edição em vinil patrocinada pela Reprise, que foi direto para a distribuição da Sub Pop. O quarteto ainda se manteria por alguns anos na gravadora, voltaria depois para a Sub Pop, e graças à sagacidade e à esperteza de seus integrantes, nunca deixou os fãs na mão.