Cultura Pop
Mouth Almighty: quando uma gravadora grande lançou um selo de discos de poesia
O segmento de LPs de spoken word já foi visto das mais diversas formas pelo mercado. Já foi uma chance enorme para humoristas de stand up, escritores, poetas e até políticos (e pastores!) lançarem discos em que liam textos, expunham ideias e faziam o povo rir. Já teve casos em que alguns desses álbuns foram bem vendidos e viraram clássicos. Até mesmo aqui no Brasil, onde várias casas tinham os LPs repletos de palavrões de gente como Juca Chaves e Costinha, e onde gravadoras como a Som Livre e a Philips lançavam antologias poéticas gravadas em disco.
Lá fora, o hábito de lançar discos falados chegou até mesmo à poesia e à discurseira punk – com álbuns de Henry Rollins e Jello Biafra saindo dessa forma. Também eram comuns, desde os anos 1960, que textos de poetas jovens e contraculturais saíssem em LP. E em 3 de fevereiro de 1996, a Billboard anunciava um passo bem corajoso dado pela grandalhona Mercury: em plena era do CD, a gravadora lançava um selo dedicado a discos falados e a CDs de poesia. Era o Mouth Almight Records, que iria estrear no dia 5 de março com a trilha da série The United States of poetry, dirigida por Mark Pellington, e que viajava pelos EUA mostrando novos e antigos poetas americanos – Allen Ginsberg, Leonard Cohen e Lou Reed entre eles.
O Mouth era uma criação de Bill Adler, produtor, jornalista e radialista que vinha de trabalhos no universo do hip hop, e dos poetas Joe Coffman, Sekou Sundiata e Bob Holman. Essa turma havia lançado antes outro selo de menor porte, o NuYo, subsidiado pela Imago Records. Dessa vez, com a Mercury na jogada, a ideia era que o selo lançasse oito discos por ano em dois anos e meio, e tivesse uma distribuição mais potente.
O selo não acreditava estar fazendo nada de muito diferente da Def Jam, que ajudou a lançar vários nomes do rap, e que por sinal já tinha dado emprego a Adler como diretor de publicidade. Uma outra reportagem da Billboard em agosto de 1996 colocava o Mouth Almighty na onda dos audiobooks – sim, já se falava disso naquela época, e o conglomerado Time Warner tinha um selo só disso. O Mouth também divulgava na matéria o plano de lançar uma versão de The ballad of the skeletons, de Allen Ginsberg, lida pelo próprio poeta, com participações.
Esse disco saiu (tem até no Spotify!) e teve contribuições de Paul McCartney e Phillip Glass. Allen também lançou The lion for real, em 1997, e ainda saíram discos de vários nomes importantes, como Timothy Leary (o inacreditável Beyond life with Timothy Leary, um disco de música eletrônica e psicodelia com participações de Ginsberg e Al Jourgensen, do Minstry) e The Last Poets, grupo de poetas afro-americanos ativo desde 1968 (Time has come, de 1997, um disco de leitura de poesia na batuta do hip hop e do jazz). Saiu também uma compilação de textos de William S. Burroughs feita pelo Giorno Poetry Systems.
O Mouth Almighty durou apenas cinco anos e não resistiu às mudanças no mercado da música, e ao encolhimento das gravadoras. Na época, gerou até uma editora, a Mouth Almighty Books, que também não durou muito.