Cinema
“Meu nome é Bagdá”: skate feminino nos cinemas
O skate feminino chega ao cinema – aliás numa produção realizada antes das medalhas na Olimpíada. Meu nome é Bagdá, dirigido por Caru Alves de Souza, já estreou quinta-feira no Rio e em SP, e leva para as telas o dia a dia da adolescente Bagdá (Grace Orsato), uma skatista de 17 anos da Freguesia do Ó. Ela pratica o esporte ao mesmo tempo em que contesta o machismo das pistas, já que seu grupo de amigos tem apenas uma menina além dela. O filme foi lançado mundialmente no Festival de Berlim de 2020, onde conquistou o prêmio de melhor filme da mostra Generation 14plus.
No dia a dia, Bagdá (cujo nome verdadeiro, Tatiana, é revelado ao longo da trama numa situação em que a personagem é desrespeitada e humilhada) convive com uma família formada apenas por mulheres. A cantora Karina Buhr interpreta Micheline, mãe das três irmãs, Bagdá, Joseane (Marie Maymone) e a pequena Bia (Helena Luz). “Absorvemos muito do que os atores trouxeram para os personagens”, conta Caru, explicando que o roteiro foi sofrendo modificações a partir da convivência com atores.
“Eu estava fazendo um filme sobre skate e eu mesma não ando de skate, então me coloquei num papel mais de escutar do que de dizer como tudo deveria ser feito”, conta ela, que fez questão de, no filme, colocar mulheres em papeis que seriam predominantemente masculinos no dia a dia.
Paulette Pink (E), Grace Orsato e Karina Buhr
“A Micheline, por exemplo, não está num papel exatamente masculino, mas ela toma conta de uma família, segura o rojão sozinha. É uma mulher muito livre, que não aceita desaforo”, conta Caru, explicando que chegou até Karina quando procurava alguém com o punch da personagem, que cuida sozinha de três meninas e trabalha num salão de beleza, comandado por Gilda (Paulette Pink). “E ela trouxe muita dignidade para a personagem, questionava algumas coisas. No roteiro original, a Micheline era mais down”.
O SKATISTA
O filme foi inspirado num livro de Tony Brandão, mas algumas coisas eram bem diferentes na história original – tanto que o livro se chama Badgá, o skatista. Ainda nos primeiros argumentos, a ideia era que o personagem fosse um menino. Caru participou de um laboratório de roteiro e se deu conta de que queria escrever o roteiro a partir do ponto de vista da prima da Bagdá, Tati.
“Foi um longo processo onde eu me dei conta da história que eu queria contar. Inevitavelmente fui contaminada por toda a discussão da representatividade das mulheres no cinema, mas acho que isso também foi orgânico, de me perguntar porque é que a skatista não poderia ser uma mulher”, conta ela, que ao lado da produtora Rafaella Costa, foi testemunhando o crescimento do skate feminino no Brasil, e incluiu tudo isso no filme.
“Logo que a Bagdá virou uma skatista, o filme ficou muito centrado no embate dela com os meninos, de como era difícil ocupar este lugar de uma menina skatista num ambiente muito masculino. Mudamos o filme, começamos a buscar quem faria a Bagdá, conhecemos todas as meninas que estão no filme e muitas delas estão num coletivo de skate feminino”, diz ela.
Na pesquisa, Caru e Rafaella chegaram ao coletivo Britney’s Crew, do Rio, e a Grace Orsato, que andava de skate há dois anos quando o filme começou a ser rodado. “Tenho uma história similar à da Bagdá porque quando comecei a andar, fui para a pista e só conheci meninos. Depois comecei a me familiarizar com a problemática do skate feminino, o que as meninas passavam”, conta a atriz de 23 anos, que ajudou na construção do roteiro apontando questões importantes para a comunidade.
Ela vê a Bagdá como “uma menina forte, que não tem medo de sofrer na rua, porque independentemente do que aconteça, vão ouvir a versão dela em casa”, conta, dizendo que teve aprender a ser um pouco mais igual a ela. “Ela tem 16 anos, eu tenho 23. Ela falava o que queria, gritava aos quatro cantos na rua. Ela tem essa energia para gastar, eu sou mais quieta. Mas ela é forte por causa desse apoio familiar. Ela tem uma família de mulheres, com várias representações de feminilidade, não é uma família padrão”.
Grace diz que, após o skate feminino na Olimpíada, o cenário mudou. “Vejo muita menina andando de skate. E as mulheres não se intimidam mais. Antes um cara chegava e falava: ‘Você é poser’ e elas falavam: ‘Eu nunca mais vou andar de skate na vida’. Hoje elas já respondem: ‘Ah, sai daqui, cara!'”, diz. “Como skatista, eu sempre falo que skate não é só Olimpíada, é um estilo de vida que muda a pessoa em vários níveis”.
TEATRO E FAMÍLIA
O filme tem momentos de pura espontaneidade no relacionamento familiar de Bagdá com a mãe e as irmãs, e com a turma do skate. Há cenas mais teatralizadas e coreografadas que, aponta Caru, servem como um respiro. “Quando a Bagdá não consegue responder à altura, ela transbora na coreografia”, diz a cineasta.
No caso das cenas com amigos, irmãs, mãe, tudo surgiu de muita preparação e de trabalho em cima do roteiro, até para que o improviso ficasse bem feito. “Discutimos cena a cena, para tentar entender o que fazia sentido, o que não fazia”, diz Caru. “A Caru foi muito sensível. A gente às vezes improvisava e se o improvisado ficasse melhor, ela selecionava”, diz Grace.