Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre New York, de Lou Reed
Muita gente ouviu um disco inteiro de Lou Reed pela primeira vez quando levou uma cópia de New York, seu disco de 1989, para casa. O álbum veio numa época de mudanças na vida profissional do cantor, que chegava no auge da sua fase “respeitável” e adulta, e conseguia fazer sucesso como não fazia há muito tempo. E justamente com um de seus discos mais críticos, falando do dia a dia das ruas de Nova York e de como a cidade estava totalmente distante da magia das luzes eternamente acesas.
New York tinha um condimento especial: lançado pouco depois da morte de Andy Warhol – o descobridor da ex-banda de Lou Reed, Velvet Underground – o álbum vinha cheio de lembranças da cidade nos anos 1960. O subtexto decadente apontava para o destino nada venturoso de vários personagens da Factory, ateliê de Warhol. Por sinal, pouco antes de começar o disco, Reed e seu ex-colega de banda, John Cale haviam trocado algumas palavras (pela primeira vez em vários anos) no enterro de Andy. Surgiu um convite para os os dois homenagearem o amigo num disco e num concerto em dupla, que acabaria virando Songs for Drella.
Os fãs de New York (pelo menos os que têm uma grana sobrando) têm motivos para ficar felizes. O disco vai ganhar uma edição comemorativa que já está em pré-venda e sai dia 25 de setembro. A edição deluxe tem três CDs, dois LPs e um DVD, tudo cheio de gravações inéditas. Com a falta geral de tempo que todo mundo tem hoje, vai ser um bom exercício tentar ouvir todo esse material “de uma vez só”, como sugeria Lou Reed.
E aí vão algumas coisas que você já sabia muito bem a respeito de New York mas que a gente resolveu te lembrar.
TRETA. Pouco antes de New York, em meados de 1988, os fantasmas do Velvet Underground voltaram a assombrar Lou Reed mais uma vez. Reed tentou achar ótimo fazer o disco Songs for Drella, ao lado do velho colega John Cale, em homenagem a Andy Warhol – e no comecinho a dupla estava animada. O álbum só saíria em 1990, após muitos embates entre Reed e John Cale.
TRETA MESMO. Enfim, a animação não durou muito. Reed, que chegava no estúdio com listas de coisas pra fazer (preparadas por sua mulher), reclamava do jeito dispersivo de Cale, que lia jornais, dava telefonemas e fazia mil coisas antes de começar a escrever. No fim, reclamou que o parceiro não lhe dava atenção e que tudo teria fluído melhor sem estresse.
MORTE. No meio da preparação do disco, em 18 de julho de 1988, morreu Nico, que cantara no primeiro disco do Velvet Underground e com quem Lou tivera um affair que não foi para a frente. Após penar vários anos por causa da heroína, a cantora morrera de forma inimaginável para uma junkie de carteirinha: sofreu um acidente de bicicleta em Ibiza, caiu no chão e se foi.
SIRE. Pouco antes de iniciar New York, no segundo semestre de 1988, Lou trocou de gravadora, e foi para a Sire Records, selo que lançara bandas como Ramones e Talking Heads e faturava horrores com Madonna. O contrato com a RCA, para a qual Lou tinha voltado em 1981 (após alguns anos na Arista), tinha encerrado após o bom disco Mistrial, de 1986. Era mais um dos discos “adultos” que Reed lançava nos anos 1980, com sonoridade básica de rock e qualidade de gravação tipicamente oitentista, com aquele reverb amigo da época.
HOMEM DE FAMÍLIA. Você já leu sobre isso no POP FANTASMA: Lou Reed, após se casar com a designer Sylvia Reed, no começo dos anos 1980, embarcou numa mudança de imagem. Passou uma borracha no passado de drogas e depravação ligado ao Velvet, começou a investir numa imagem “de família”, e fez propaganda das scooters da Honda, ao som de Walk on the wild side.
DIGA NÃO ÀS DROGAS. Entre 1986, ano de Mistrial, e 1989, o de New York, Lou investiu bastante nessa imagem adulta e (vá lá, estamos falando de 1986) “hetero”. Participou de shows beneficentes, gravou com amigos, abriu um show para o U2 (em maio de 1987) e topou participar de uma campanha antidrogas da MTV. Essa campanha, por sinal, trouxe muita consciência pesada para o cantor, que chegou a gravar um spot falando “não quero te dizer o que fazer, mas falando por mim, bla bla bla”. “Lou, sem ofensa, mas isso vai ser visto por crianças de oito anos. Faça isso e elas vão dormir”, atalhou o diretor. O autor de Heroin e White light/White heat terminou sua gravação com um singelo “eu usei drogas… não use”.
LIVRO. New York, o disco, era uma espécie de coroação, de ponto máximo dessa nova imagem de Lou, que definiu o lançamento numa entrevista como “um disco sério, para adultos”. Na contracapa, um texto do cantor recomendava aos/às ouvintes que escutasse o disco (de 57 minutos) de uma vez, como se fosse um livro ou um filme, e na ordem.
TIME. New York começou a surgir de um telefonema de Lou para o amigo guitarrista Mike Rathke, que na época era cunhado de sua esposa. Reed tinha feito músicas cujas letras invariavelmente falavam sobre a cidade, ligou para convidar o músico para ir à sua casa e o conceito do disco surgiu na cara da dupla. Rob Wasserman estava no baixo e Fred Maher na bateria. E quem é vivo (ou melhor, viva) sempre aparece. Moe Tucker, ex-baterista do Velvet Underground, apareceu no estúdio para tocar seu kit com baquetas de ponta de feltro em Dime story mystery e Last great american whale. O astro ítalo-americano Dion DiMucci, do grupo Dion & The Belmonts, soltava a voz em Dirty blvd.
A CIDADE QUE NUNCA DORME. A ideia de Lou não era falar da Nova York maravilhosa da canção imortalizada por Frank Sinatra. New York está repleto de recordações de personagens da época do Velvet Underground, de gente morrendo por causa da aids, pessoas passando fome, hipocrisia religiosa, protestos contra o antissemitismo (tema de Good morning Mr. Waldheim). “É vergonhoso ter de esperar que os garotos filhos de gente rica comecem a cair mortos para que alguém diga: ´Uau! Talvez seja uma boa ideia fazer algo contra a aids'”, reclamou Lou.
LATINOS EM NY. Algumas canções do disco são dedicadas ao dia a dia sofrido da comunidade latino-americana na capital. Dirty blvd, primeiro single do disco, é a história de um rapaz chamado Pedro, que sofre abusos em casa e começa a se prostituir para ganhar a vida (no tal bulevar sujo do título). Romeo had Juliette fala de mortes de policiais, brigas de gangues e do dia a dia de um garoto chamado Romeo Rodriguez.
REFAÇÃO. Considerado um dos pais do punk, Lou Reed deixou a improvisação de lado em New York e reescreveu várias vezes todas as letras, usando dois cadernos (!) lado a lado. “Cada música do disco teve umas cinco, seis versões até chegar à definitiva. Essa é a diferença básica entre New York e meus discos anteriores”, contou.
WARHOL. Em 22 de fevereiro de 1987 morria o descobridor do Velvet Underground, Andy Warhol. Reed e John Cale, você leu lá atrás, já tinham feito um disco inteiro em homenagem a ele, Songs for Drella. As lembranças do dia do funeral de Warhol na catedral de St Patrick vazaram para Dime story mystery, dedicada com carinho ao esteta pop. “Ela ataca um velho e clássico problema humano. A questão: ‘Por que estou aqui? O que isso tudo significa? Se eu morrer hoje, me arrependerei da vida que tenho levado?'”, contou Lou, que também havia sido bastante impactado por A última tentação de Cristo, de Martin Scorsese.
NO ELEVADOR. Hold on, uma das músicas mais críticas do disco, falava sobre brigas de gangues, brutalidade policial e chamava a Estátua de Liberdade de “estátua do racismo”. Um dos personagens citados na música, Mike Tyson, já havia encontrado com Lou Reed várias vezes no elevador. “Ele mora no mesmo prédio que eu”, dizia o cantor.
DEU CERTO. New York levou Lou Reed aos holofotes, vendeu como um disco do cantor já não vendia havia anos e despertou o interesse de um público que fazia xixi nas calças e falava “gugu dadá” na época do Velvet Underground. E em maio de 1989, Lou apareceu num espaço de prestígio: a capa da Rolling Stone.
NEM TANTO. A crítica se dividiu bastante em relação a New York. Houve quem o considerasse um disco totalmente pretensioso, muito barulho por nada, e muita gente não engoliu aquela história de “disco para ser ouvido como um livro”. A Nation queixou-se da “vaga consciência social” de Lou Reed e de protestos “atrapalhados” nas letras. Jim Farber, crítico da Rolling Stone e da Daily News, reclamou do comportamento de rebanho dos jornalistas, que “sentiram a necessidade de levar esse disco tão a sério quanto ele se leva”. O guitarrista experimental Glenn Branca pisoteou o álbum com classe: “Bon Jovi fez New Jersey e Lou Reed fez New York!”.
QUEDA. No fim de 1989, divulgando New York, Lou tomou uma queda feia no palco durante a passagem de som e precisou ficar seis semanas engessado. Houve quem visse isso como o efeito “tudo que vai, volta” de quando Lou escarneceu publicamente da queda (gravíssima) de Frank Zappa no palco, alguns anos antes, atacado pelo namorado ciumento de uma fã
LOU MICKEY. Durante o período em que estava no estaleiro, Reed foi abordado pela Hyperion, editora ligada à Disney (!), que estava interessada em reunir suas letras num livro. Deu trabalho: Between thoughts and expression só ficou pronto em 1991. Hoje pode ser lido inteiro na internet.
Tudo que você leu aqui saiu de uma entrevista de imprensa que a Sire distribuiu em 1989 (e que acabou publicada no Brasil pela Bizz) e do livro Transformer: a história completa de Lou Reed, de Victor Bockris.
Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash). E a Fun house (Stooges).
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Lou Reed no POP FANTASMA aqui.