Cultura Pop
Lembra do Microdisney (e de Cathal Coughlan)?
Os últimos dias foram marcados por uma quantidade meio grande de artistas saindo de cena – incluídos aí o ator Ray Liotta e o músico Andrew Fletcher, fundador do Depeche Mode. Pouca gente deve ter se ligado que no dia 18 de maio despediu-se Cathal Coughlan, cantor e compositor irlandês que liderou o Microdisney e, depois, o Fatima Mansions.
Coughlan morreu aos 61 anos após “lutar bravamente contra uma doença”. No Brasil, o nome Microdisney provavelmente faz sentido para muita gente, e a banda deve ter muitos fãs. O grupo teve um disco lançado aqui, The clock comes down the stairs (1985, saiu aqui pela Stiletto/Eldorado lá pra 1987). Duas músicas tocaram em algumas rádios no Brasil: Birthday girl e Horse overboard. Essa última, aliás, deve ter deixado muita gente confusa, pensando: “Que música dos Smiths é essa que eu não conheço?” Por acaso, as duas bandas eram da mesma gravadora, a britânica Rough Trade.
O grupo iniciado por Coughlan (voz), Sean O’Hagan (guitarra), Jon Fell (baixo) e Tom Fenner (bateria) tinha admiradores (muitos) e fez sucesso – especialmente com The clock, que bateu logo no primeiro lugar das paradas britânicas. E contava com o apoio de gente bacana como o DJ John Peel, que gravou algumas Peel Sessions com eles (compiladas num EP em 1989) e era fã da banda e do vocalista.
A banda permaneceu junta só até 1988 – embora tenha feito alguns shows entre 2018 e 2019. Coughan foi para outra banda histórica do rock alternativo irlandês, os Fatima Mansions. Já Sean O’Hagan, após a separação do grupo, fundou o não menos clássico High Llamas, produziu o Stereolab e tocou banjo no segundo disco do The Gilbertos, banda-projeto solo de Thomas Pappon, do Fellini (Deite-se ao meu lado, de 2004).
Os Fatima Mansions, por sua vez, não tiveram discos lançados aqui e, se tocaram em alguma rádio/TV ou o que o valha no Brasil do anos 1990, provavelmente foi em alguma madrugada de Lado B, da MTV. A banda gravou bastante – de 1989 a 1994, quando acabaram, foi quase um disco por ano. Coughlan, que já fazia letras bastante críticas desde a época do Microdisney, decidiu pegar pesado na época do Mansions: dava entrevistas bastante controversas falando sobre coisas como poder e religião.
Já em 1992, quando o grupo arranhou o mainstream abrindo uma parte europeia da tour Zoo TV, do U2, decidiu abrir o verbo contra o Papa João Paulo II no palco de uma apresentação em Milão, na Itália. Por sinal, o vocalista meteu-se numa briga futebolística nessa noite: usou no palco uma camisa do Barcelona, time que havia acabado de vencer o italiano Sampdoria no campeonato europeu. Teve gente ficando irritada (nesse show ele fez coisas que deixaram a plateia mais irritada ainda: tá tudo aqui).
Por sinal, 1992 era o ano em que saía aquele que é considerado por muita gente o melhor disco dos Mansions, Valhalla avenue, esse aí de cima. Mas a banda ainda teve sucesso com uma gravação bastante curiosa: a versão deles para (Everything I do) I do it for you, de Bryan Adams, feita para um disco beneficente do New Musical Express. A regravação foi para as paradas. Aliás, para desgosto do vocalista, que queria só zoar o hit do cantor canadense.
De 1996 a 2021, Cathal – um daqueles cantores que nunca chegaram a fazer grande sucesso mas que sempre receberam elogios rasgados de nomões da crítica e da música – manteve uma carreira solo, com discos lançados por selos como Kitchenware e Cooking Vinyl. Foram só seis discos, com anos de lançamento bem espaçados. Songs of co-Aklan, o último, do ano passado, surgiu onze anos após o disco anterior do vocalista, Rancho Tetrahedron (2010). Songs, por sinal, vinha sendo considerado o auge da carreira solo dele, o que torna tudo mais triste.
Um disco do cantor que também merece destaque é Grand Necropolitan, a estreia solo dele, de 1996: um álbum belo, complexo e elaborado, com influências de art rock, música latina, jazz e pós-punk, e com capa parodiando os lançamentos do selo erudito Deutsche Grammophon.
E aqui tem uma entrevista bem legal com Cathal, feita assim que saiu seu disco mais recente.