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Laurie Anderson: descubra agora!

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A premiação do Grammy 2024, no último domingo, levou todo mundo a falar (justificadamente) da emoção que foi ver Joni Mitchell e Tracy Chapman. E numa base maior ainda, os prêmios levados por Taylor Swift também foram bastante comentados. Não sobrou muito espaço, ou atenção, para a presença de Laurie Anderson entre os premiados. A musicista e compositora de vanguarda norte-americana (e viúva de Lou Reed, embora isso seja apenas um detalhe) foi uma das homenageadas pelo prêmio, e uma das ganhadoras de uma estatueta pelo conjunto da obra.

Laurie é vanguarda, mas é pop. Nascida em Illinois, ela estudou história da arte e música clássica na adolescência. Ao mudar para Nova York, desenvolveu um conceito todo próprio de concerto “performático”, altamente produzido e repleto de humor peculiar (seu primeiro espetáculo, em 1969, era uma sinfonia baseada em buzinas de automóveis), e que envolvia bastante a plateia, a ponto de papeis e caneta serem distribuídos ao público em alguns de seus shows.

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O trabalho dela foi se tornando variado o suficiente para incluir jobs como crítica de arte, gravações em selos independentes e até uma performance de wrestling (!) com o comediante Andy Kaufman. Em 1982, ela gravou um single independente chamado O Superman, que foi bastante divulgado pelo DJ John Peel, da BBC. E acabou levando Laurie a ser contratada pela Warner. Parecia muito para uma artista de vanguarda, mas ela gravou vários discos lá.

A artista não foi a única premiada na categoria –  além dela, levaram o mesmo prêmio as cantoras Gladys Knight, Donna Summer e Tammy Wynette (as duas últimas, post mortem), o grupo de hip hop NWA e o grupo gospel The Clark Sisters. E se você ficou surpreso de não ter lido nada a respeito dela no Grammy, pode acreditar que a própria Laurie ficou surpresa de ser lembrada pela premiação. A Variety foi lá bater um papo com Laurie e pegou a artista num momento de total espanto. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou Laurie. Abaixo, você fica sabendo de onze coisas a respeito dela.

COMEÇO (BEM) EXPERIMENTAL. Entre 1972 e 1974, Laurie estava bastante ocupada com seu espetáculo Duets on ice, no qual ela tocava violino enquanto usava patins em cima de um bloco de gelo, que ia derretendo à medida que ela tocava. O espetáculo iniciou em Nova York e passou pela Itália. Na época, Laurie era uma garota de 26 anos e cabelos longos, com uma imagem bem diferente da que ela tinha quando ficou mais famosa. Pouco antes disso, em 1970, ela chegou a desenhar uma história em quadrinhos que foi editada por ninguem menos que o pai do ator Leonardo DiCaprio – George DiCaprio, que além de escritor e editor, foi também artista performático.

POESIA NO TELEFONE. Uma das primeiras associações musicais de Laurie foi com John Giorno, um poeta novaiorquino que inventou um serviço telefônico chamado Dial-A-Poem, pelo qual as pessoas ligavam para uma linha telefônica (212 628 0400) e ouviam gravações de textos sendo lidos por artistas e poetas como Patti Smith, Allen Ginsberg, John Ashberry, Bobby Seale, Jim Carroll e o próprio Giorno. Algumas das primeiras gravações dela saíram em coletânea do selo dele, Giorno Poetry Systems.

SUCESSO, ENFIM. Pouco antes de seu primeiro single pop, O Superman, Laurie conquistava um doutorado honorário do San Francisco Arts Institute. O disco saiu em 1981, inicialmente por intermédio de um selo chamado One Ten Records, criado pelo seu diretor de palco, B. George, que pôs em disco várias aventuras musicais de artistas visuais de Nova York. A faixa foi lançada originalmente como “uma canção visual e também musical”. Afinal, nos shows, Laurie fazia sombras numa tela atrás dela com a mão esquerda (enquanto tocava teclado com a direita). Parecia um troço sofisticado demais, mas a música foi amplamente divulgada pelo DJ britânico John Peel, da BBC, e virou um sucesso inesperado. Aliás, tão inesperado que a Warner acabou procurando Laurie e oferecendo um contrato de gravação.

GRAVADORA GRANDE. Anderson passou mais de dez anos na Warner, estreando com Big science (1982) e encerrando com Bright red (1994), e com um disco ao vivo falado, chamado The ugly one with the jewels and other stories (1995). Por mais que Laurie historicamente seja uma artista totalmente desvinculada do universo do rock, Big science guarda semelhanças incríveis com Yoko Ono, Talking Heads, Velvet Underground, Suicide (a contação de histórias de Laurie tem tudo a ver com letras como Frankie Teardrop), David Sylvian e com a turma da no wave.

São experimentações musicais eletrônicas, repletas de loops de percussões e vocais, com letras irônicas e quase sempre faladas – mas Laurie humaniza tudo incluindo refrãos cantados e vocalises. O som dela foi se tornando mais acessível a partir da entrada de colaboradores como Adrian Belew (guitarra) e Nile Rodgers – que produziu duas faixas do álbum Home of the brave (1985), por sinal a trilha de um filme-concerto dela, e deixou o som de Laurie soando como algo entre Lou Reed (olha!) e Grace Jones.

GRAVADORA GRANDE, NOVAMENTE. No tal papo com a Variety, Laurie lembrou que as pessoas falavam a ela que na Warner, ela iria “conhecer os artistas”. No prédio da empresa, ela chegou a deparar com uma banda que não conhecia, mas que parecia famosa. Ela não se lembra do nome do grupo e diz nunca mais ter ouvido falar deles, de qualquer maneira. “Quando ouvi a palavra artista, pensei em Rothko (o pintor norte-americano Mark Rothko) ou alguém assim. Foi ridículo. É triste dizer, mas eu era meio esnobe… Eu vinha de um mundo artístico isolado e tínhamos certeza, então, de que estávamos mudando o mundo. Viemos dos anos 60 e tínhamos essa confiança. Não estávamos tentando nos encaixar em nada  apenas fazendo músicas interessantes, só isso”.

MUITA MÚSICA JUNTA. Big science, na verdade, era o resumo de um projeto chamado United States Live, uma performance musical prevista para durar oito (oi-to!) horas, que falava sobre o dia a dia nos Estados Unidos, a partir de músicas como Walk the dog, New Jersey Turnpike, Private property e outras. Em 1984 a Warner lançou United States Live numa caixa de cinco LPs.

QUASE POP. O fim dos anos 1980 trouxe uma faceta mais, digamos, pop de Laurie, que lançou o álbum Strange angels (1989). No álbum, ela soltava a voz numa base mais regular que os anteriores – tanto que decidiu fazer aulas de canto. “Ele é mais melódico do que meus outros álbuns porque há muita cantoria nele”, contou Laurie, confessando que teve vergonha de fazer as tais aulas. “Já era um pouco tarde para perceber que eu não tinha ideia de como cantar”. A faixa-titulo e Babydoll tocaram no rádio.

ANOS 1990 E 2000. De 1994 para cá, Laurie gravou bem pouco – Homeland, seu disco mais recente, saiu em 2010. Em 1992, ela conheceu Lou Reed, com quem se casou, e numa entrevista, ela recordou ter ficado assustada de descobrir que o cantor não tinha sotaque britânico – Laurie achava que o Velvet Underground era uma banda inglesa. “Eu tinha apenas uma vaga ideia do que eles faziam. Eu era de um mundo diferente. E todos os mundos de Nova York naquela altura – o mundo da moda, o mundo da arte, o mundo literário, o mundo do rock, o mundo financeiro – eram bastante provincianos. Não eram conectados”, disse.

JOGANDO COM A LAURIE. Já em 1995, Laurie entrou na onda dos games e lançou Puppet Motel, em formato CD-ROM. O blog Obscuritory classificou o lançamento de Laurie “como uma grande exposição interativa para percorrer”. São “cerca de três dúzias de cenas interconectadas em salas assustadoras e dramáticas. Eles são geralmente monocromáticos, às vezes iluminados por uma única luz”. Você pode ir nos bastidores, clicar em objetos e descobrir uma pergunta, um poema, uma lembrança. Ouve-se a voz de Laurie recitando um de seus números de spoken word, White Lilly: “Os dias passam, infinitamente, infinitamente puxando você para o futuro”.

NOS ÚLTIMOS ANOS, Laurie vem fazendo performances e espetáculos teatrais, além de ter apresentado palestras na Universidade de Harvard em 2021, quando foi nomeada professora de poesia na cátedra Charlies Eliot Norton. Durante a pandemia, sumiu justificadamente dos palcos e eventos, e fez uma série de lives. Passando o isolamento, fez até uma turnê pela Europa com a banda de jazz Sexmob.

ALIAS E A PROPÓSITO Laurie foi indicada para outra categoria no Grammy 2024, a de melhor álbum histórico. Ela foi um das colaboradoras de Words & music, May 1965, disco com gravações raras de Lou Reed, incluindo as primeiras versões de muitas músicas que foram gravadas depois pelo Velvet Underground. Não ganhou o prêmio.

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