Cultura Pop
Kim Jung Mi: a Marianne Faithfull da Coreia
O site da gravadora Light In The Attic, que relançou o álbum de maior sucesso de Kim Jung Mi, Now (1973), lembra que a carreira dela foi bastante improvável. Se hoje o kpop transformou a Coreia do Sul em usina de invenções musicais, nos anos 1970 nem todo mundo imaginaria que uma carreira ligada ao pop, ao folk e ao rock psicodélico surgiria de lá. Mas surgiu, e impressionou muita gente, que viu ali uma Marianne Faithfull ou Françoise Hardy da terra em que, num futuro bem distante, surgiriam boy bands como o Shinee.
Kim vinha gravando desde 1971, mas muita gente considera Now seu disco mais ligado à linguagem pop norte-americana, em músicas como a bela balada folk Haenim e as lisérgicas Beautiful rivers and mountains (que lembra The Doors) e Ganadarabamasa. Nos momentos mais agitados, o som é uma marcação brutal de baixo (tocado de maneira quase pré-punk, quase como uma segunda guitarra) e bateria.
Wind in the trees é uma das melhores músicas do disco. O blog Passionweiss, um dos sites que andaram falando de Kim nos últimos tempos, estabelece comparações com Jefferson Airplane (a voz dela tem um registro bem mais delicado que o de Grace Slick, vale falar).
O site da gravadora conta que Kim era uma estudante quando foi descoberta por uma espécie de gênio do rock coreano dos anos 1960/1970. Shin Jung-Hyeon, hoje um senhor de 83 anos, era guitarrista no auge da psicodelia coreana, quando músicos aprendiam a tocar as novidades do rock ouvindo rádios dos EUA e frequentando bases militares americanas em Seul.
Shin usou o nome “internacional” Jackie Shin, e fez parte de uma banda chamada Add4, considerada a primeira banda de rock da Coreia por muita gente. O disco de estreia, The woman in the rain, saiu em 1964.
Shin teve problemas com o golpe de estado e a ditadura implantados por Park Chung-Hee, que presidiu o país a partir de 1972. O comitê presidencial o procurou e pediu que ele fizesse uma canção a favor da ditadura. O músico respondeu com um hino de protesto. Era a mesma Beautiful rivers and mountains gravada por Kim.
O guitarrista teve instrumentos recolhidos e o cabelo cortado. Mais desgraças aguardavam por Shin: prisão por porte de maconha, tortura pelo governo coreano e internação em um hospício. Ao sair, numa Coreia já “livre” do rock, enfrentou a proibição de tocar ao vivo. Passou a compor, produzir e montou clubes noturnos.
A carreira de Kim, por sua vez, continuou, inclusive com discos e singles produzidos e arranjados pelo próprio Shin. Mas não por muito tempo – o Discogs registra discos dela lançados apenas até 1977. Num dos álbuns, Kim lançou até mesmo uma versão em coreano de Move over, de Janis Joplin.
E Kim Jung Mi, após o relançamento, reapareceu algumas vezes. Olha ela aí reinterpretando seu hit Haenim em 2018. A voz continua bela como em 1973.