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John Lennon, em livro: “Achei fazer ‘Help!’ uma m (*)!”

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Jan Wenner, fundador da Rolling Stone, tomou uma atitude da qual se arrependeria um tempinho depois. O editor pegou a enorme entrevista que John Lennon tinha dado à revista (e que foi publicada em duas edições em 21 de janeiro e 4 de fevereiro de 1971) e, sem autorização do ex-beatle, jogou tudo num livro.

Lennon Remembers, lançado em novembro de 1971, acabou fazendo bastante sucesso, até porque na tal entrevista para a Rolling Stone (que passou pelo crivo do próprio cantor antes de ser publicada), o ex-beatle estava endiabrado. Tinha acabado de passar (junto com Yoko Ono) por uma temporada de sessões de terapia com o psicólogo Arthur Janov, aquele do “grito primal”. E, especialmente, estava puto da vida com uma série de coisas relativas aos Beatles.

Se você achou que o filme Help! mostrava os quatro de Liverpool super alegrinhos, pode esquecer. Lennon se sentiu pessoalmente humilhado fazendo o filme e detestou a experiência, até porque fãs e gente da imprensa estavam no set.

“É como sentar-se com o governador das Bahamas porque estávamos fazendo Help! e ser insultado por esses idiotas e bastardos da classe média que comentavam sobre nosso trabalho e nossas maneiras. E eu estava sempre bêbado, insultando todo mundo. Eu não aguentava. Doeu tanto, eu ficaria louco, xingando”, reclamou. “Foi uma porra de humilhação. Era preciso humilhar-se completamente para ser o que os Beatles eram, e é disso que me ressinto. Eu fiz, mas não sabia. Eu não previ isso, apenas aconteceu aos poucos, até que essa loucura completa me envolvesse”.

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Tem coisa mais complexa: Lennon dizia que suas qualidades de gênio haviam sido negligenciadas ou ignoradas desde a infância, falava pela primeira vez sobre a homossexualidade do ex-empresário Brian Epstein, reclamava dos fãs americanos que os Beatles conheceram em 1964 (“uma raça feia”) e se diferenciava de Paul McCartney dizendo que ele próprio era “o contador da verdade” e o parceiro era “o músico pop”.

O autor de Imagine ainda distribui porradas nas carreiras solo dos colegas, dizendo que se sentiu envergonhado pela estreia solo de Ringo Starr, Sentimental journey, e que não tocaria All things must pass, disco triplo de George Harrison, em casa. Mas que ainda assim ele era melhor que McCartney, estreia solo de Paul.

Pedradas em Epstein: Lennon reclamava que a ideia do ex-empresário de vestir todo mundo com terninhos serviu para passar um bombril na imagem “selvagem” da banda no começo. Mas que a imagem da banda ficou “em círculos” depois de sua morte, com a liderança de McCartney.

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Outro filme da história dos Beatles, Let it be, serve de motivo para mais pedradas no ex-parceiro, já que Lennon reclama que Paul editou o filme de modo a parecer o grande comandante da banda. E, heresia: até mesmo o produtor George Martin era tido por John como um cara que se aproveitou da fama dos Beatles, e nada mais que um “gravador” do grupo.

Aliás, ainda sobrou para colegas “de fora”: segundo Lennon, Mick Jagger ressucitara um “movimento de merda”, dançando “igual a um gay”. New morning, disco recente de Bob Dylan, “não significava nada”. E o fato de ele ter adotado um pseudônimo em vez de seu nome verdadeiro era “bobagem”. Ia por aí.

O tal papo de Lennon foi amplamente discutido no cenário da cultura pop, e é entendido até hoje por muita gente como o atestado de óbito dos Beatles. Os ex-colegas em vários momentos deram entrevistas sobre o conteúdo do bate-papo. Aliás, Paul, em particular, disse ter ficado arrasado e se sentido um merda quando leu tudo.

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Jan, numa época em que não havia celular, nem e-mail, decidiu viajar à Inglaterra para pedir a Lennon que liberasse a entrevista para um livro, sentindo que aquilo ajudaria bastante as finanças da revista. Não encontrou John, mas o beatle já havia avisado que só havia permitido que o papo fosse publicado na revista e nada mais. Sem dilemas: Jan mandou publicar Lennon remembers na base do mais sincero foda-se. Recebeu 40 mil dólares pelo livro. Mas foi gentilmente lembrado pelo ex-amigo de que a entrevista havia ajudado a Rolling Stone a sair do atoleiro financeiro, e foi acusado de infidelidade.

O mais louco é que o tal papo ainda rendeu por vários anos e seu áudio chegou a virar matéria de rádio e de podcast (publicado inclusive no site da Rolling Stone gringa). Hoje tá até no YouTube. Pega aí.

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