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Jimi Light: luto e amadurecimento em disco de estreia
Jornalista cultural com passagens por redações como as de O Globo, Sérgio Luz estreia como músico com o disco The season of magical thinking, mas adotou um apelido de adolescência para o novo projeto, Jimi Light. “O nome veio de um avatar que eu tinha num fórum online de música no comecinho dos anos 2000”, lembra. O som tem raízes no folk e o nome do disco surgiu do livro O ano do pensamento mágico, da escritora norte-americana Joan Didion, que narrou o período de um ano que se seguiu à morte do marido. O conceito do disco, por sua vez, relaciona-se com histórias de luto pessoal, vividas pelo próprio Sérgio.
“Mas nada disso foi pensado exatamente durante a produção”, diz o músico, que de 2014 para cá perdeu o irmão (“eu tinha 31 anos”, recorda), a avó, uma tia e o gato de estimação (que por sinal havia herdado do irmão). Também passou por uma separação. “Foi uma sequência muito pesada de perdas, que acabaram canalizadas nessas músicas, eu acho. Enfim, são racionalizações que faço agora, depois de muito papo com os amigos e horas no divã do analista”, diz ele, que hoje mora em Portugal e faz mestrado em História na Universidade de Lisboa.
“Inclusive foi na análise que cheguei a uma explicação para o motivo das músicas serem em inglês. E cheguei à conclusão mambembe, mas que me parece fazer sentido, de que as escrevi em outra língua justamente para manter uma distância de coisas que são tão dolorosas. Acho que não conseguiria ser tão confessional e me abrir tanto em português”.
A única música com versos em português, The void, the sea, mantém título em inglês – e é dedicada justamente ao irmão. Tem participação nos vocais de Rubel. O cantor de Medo bobo, antes de abraçar a música profissionalmente, foi estagiário de uma produtora na qual Sérgio conseguiu seu primeiro emprego depois da faculdade. “E ele já era talentoso. Éramos todos jovens, quase todos músicos, e isso era um tema constante tanto do nosso trabalho quanto dos nossos papos”, recorda.
“The void, the sea se tornou sobre a perda do meu irmão — assim como Sweet brother e Green waters também são. A primeira parte de The void, the sea, que é uma reflexão sobre a morte a partir da perspectiva de alguém que não acredita em vida após essa, foi feita antes do acidente. A segunda, que o Rubel canta em português, eu escrevi já depois, pensando como se fosse meu irmão que dissesse aqueles versos, tentando acalmar o caçula ateu. ‘Não há nada além / é como dormir e não acordar…'”, conta ele, dizendo que percebeu após a perda do irmão como temas como morte e luto continuam sendo tabus, com os quais as pessoas não querem lidar.
“O luto, que é uma experiência que todos nós vamos vivenciar em algum momento, não tem espaço no universo de eterno estímulo das redes sociais. A galera quer ver dancinha no Instagram, sacada engraçadinha no Twitter ou vender a ideia da eterna felicidade, esse hedonismo fake tão em voga, coberto por filtros e hashtags. A palavra da moda, a empatia, na maioria dos casos só serve mesmo pra lacrar na internet”, afirma. “Então, fiz um disco todo sobre esses diferentes lutos. Mas nada de novo, é claro. Afinal, a dor de cotovelo, que é a base de toda a música pop, também é um tipo de luto”.
Outra participação do disco é da cantora Maranda, com quem Sérgio tocou numa banda chamada Academia Circense – ela faz a voz feminina em Until spring e faz backing vocals em outras faixas. Sérgio convidou amigos como Viny Melanio (baixo), Fabio Penna (piano) e até outro amigo jornalista e músico, Silvio Essinger (órgão) para tocar no disco. Além de Manoel Magalhães (Columbia, Harmada), produtor do disco (pelo selo 8-bics). O músico costuma dizer, de brincadeira, que The season é o Chinese democracy do Pechincha (sub-bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio), pela demora que algumas etapas tiveram, já que o álbum tem gravações de 2012.
“No total, foram nove anos, daí a brincadeira. Mas o grosso de tudo foi feito em pouco mais de dois anos, no estúdio caseiro do amigo de fé e irmão camarada Manoel Magalhães, que foi quem me convenceu a terminar o disco. Eu tinha gravado nove faixas em 2012, mas viajei para um curso de pós-graduação e nunca retomei o projeto. Em 2018, quando o Manoel ficou uns meses lá em casa – na época estávamos ambos passando por um divórcio, numa deprê pesada – , ele começou a colocar uma pilha pra gente terminar o álbum”, recorda.
“Mas algumas músicas daquela safra já não me agradavam mais. Então, relutei, até porque tenho muita dificuldade de me ver como cantor. Eu toco violão, toco guitarra e componho. Cantar, pra mim, é um esforço para defender as canções. No final, ele me convenceu ao dizer que eu devia ter muita música nova que poderia complementar com algumas antigas. E eu tinha alfarrábios cheios de coisas prontas ou rascunhos”, completa.
Uma coisa que vem fazendo diferença no trabalho de músico de Sérgio desde os 20 e poucos anos é que ele finalmente passou a reconhecer que Roberto Carlos é o Rei. “Pra mim, o catálogo do Roberto é como do Gil, do Caetano, da Joni Mitchell, do Bob Dylan ou do Bruce Springsteen, sempre tem coisa para a gente descobrir, são artistas que podem nos dizer coisas profundas e tocantes para todas as fases da nossa vida, cada um de seu jeito”, diz ele, contando que Roberto não é uma influência clara no seu trabalho, mas que uma meta para qualquer compositor é ter pelo menos 15% da simplicidade e da profundidade do Roberto. “Só depois que me separei que eu entendi Detalhes, por exemplo. Só quando morei fora eu percebi a emoção de voltar de O portão. Só quando perdi meu irmão me emocionei com Despedida“.
Foto: Fernando Lemos/Divulgação