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Relembrando: Iggy Pop, “Lust for life” (1977)

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O ano de 1977 foi cheio de novidades para Iggy Pop. Foram dois discos, The idiot e Lust for life, mais um extra, Kill city, gravado com o parça James Williamson. Justamente por causa desses trabalhos, dos shows e de tudo o mais, parecia que havia rolado um acordo entre o cidadão James Newell Osterberg Jr, seu nome verdadeiro, e o demônio Iggy Pop, que quando baixava nele, causava confusões em todos os cantos. James, virado em Iggy, tomava todo tipo de drogas, dormia pelas ruas, transava com mulheres de amigos (ou de pessoas poderosas do showbizz), ia para a cadeia ou para algum hospital, sumia por uns tempos e voltava pior ainda. E dava mostras de péssimo profissionalismo que teriam enterrado a carreira de qualquer outro artista.

Iggy parecia disposto a deixar o diabo meio paradão e só saindo da jaula quando necessário – e as pessoas pareciam mais dispostas a pagar para ver o cantor no palco. O contato com David Bowie, que mostrou para ele uma música nova, Sister midnight, feita com o guitarrista Carlos Alomar, ajudou – o velho amigo quis que Iggy gravasse a faixa e disse que iria produzir um álbum para ele. Iggy se juntou à trupe de Bowie na turnê Isolar, e circulava pela equipe, vendo tudo e entendendo como o cantor trabalhava, para a desconfiança dos músicos e produitores de David, já que alguns deles mal sabiam que os dois eram amigos, ou o que o ex-stooge fazia ali.

Em 18 de março de 1977 saía The idiot, primeiro disco da associação Bowie-Pop, e pela RCA, gravadora de David. Era um glam rock frio, influenciado tanto pelo clima de café-teatro de Hunky dory, de David Bowie, quanto pelo rock alemão – uma espécie de “fúria musical” robótica, como observou Tony Visconti, produtor de Bowie que atuou como engenheiro de mixagem no disco. Um disco para ser descoberto aos poucos, que deixou decepcionados fãs que esperavam algo mais punk, mas ajudou a lançar bases para o pós-punk e pro rock gótico.

Temos um episódio sobre os anos 1976 e 1977 na vida de Iggy Pop, no Pop Fantasma Documento.

Lust for life, lançado em 9 de setembro, servia para aproveitar enquanto o ferro estava quente, e mostrava uma outra face de Iggy. Saía a figura estranha e artística da capa do álbum anterior, entrava na capa do novo álbum um rapaz de franjinha e sorriso desarmado – segundo Andrew Kent, que clicou a foto, aquele era o próprio James Osterberg, sem personagens. Se David Bowie deu o tom de The idiot, a ideia era que Lust for life, bem melhor que o anterior, trouxesse um som mais cru e desse mais controle a Iggy – que já estava meio cansado da sofisticação imposta pelo amigo. Bowie tocou teclados no disco, mas não se envolveu tanto, e teria pedido a Carlos Alomar, guitarrista dele e de Iggy, que ficasse de olho no cantor.

Lust por acaso, foi o primeiro trabalho de Bowie e Iggy totalmente feito em Berlim, onde a dupla morava. Inspirado por drogas, vinho e salsichas alemãs, Iggy uniu r&b, soul, rock vintage e um senso roqueiro que parecia um recado do underground e do universo vira-lata do punk aos Rolling Stones, em alguns momentos – seja nos vocais pretensamente entediados e empoderados de Iggy, seja no clima de faixas como o glam rock Success ou Fall in love with me (essa, quase Stones sem Charlie Watts, com batida reta e ritmo parecido com o de Miss you, de Jagger & Richards).

A faixa-título era aberta por uma batida selvagem que lembrava algum disco perdido da Motown. The passenger (supostamente inspirada por uma poesia de Jim Morrison) e Some weird sin continuavam na mesma intenção, de inserir detalhes selvagens e sombrios em um design sonoro sessentista e pop. Sixteen, mais do que politicamente incorreta nos dias de hoje, transformava o estilo de rock criado pelo Velvet Underground (em músicas como Waiting for the man) em algo mais brutal ainda. Um lado crooner, de romantismo sacana e vira-lata aparecia em Tonight e Turn blue.

O disco novo de Pop prometia até mais do que The idiot, mas deu menos certo ainda, por uma coincidência infeliz. Duas semanas antes do lançamento de Lust, Elvis Presley morreu, e as prensas da RCA ficaram ocupadas com os relançamentos e lançamentos do rei do rock. A duras penas, o disco foi galgando posições no Reino Unido e nos EUA. David Bowie, que vinha tocando teclados na banda de Iggy, se mandou e foi cuidar de seu próprio trabalho. Iggy, cheirando bastante cocaína, mostrou-se problemático e desinteressante para a RCA, que se contentou em fechar a tampa lançando um disco ao vivo, TV eye live, em 1978. O cantor voltaria depois como contratado da Arista, e parecia condenado a idas e vindas. Mas só parecia.

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