Cultura Pop
Leia, descubra, ouça, conteste: um papo com o cara do Floga-se
Não são poucas pessoas que consideram o Floga-se um dos dez melhores espaços para se conhecer música indepedente hoje em dia. Numa época em que interessa a muita gente repetir frases batidas como “o rock morreu”, o site surge com séries importantes como discos da vida (onde convidados falam sobre os álbuns mais marcantes de suas discotecas e cabe tudo quanto é tipo de música), ou listas de discos para ouvir de graça, ou entrevistas com nomes nacionais e internacionais.
O lema do site
No POP FANTASMA, a gente tem conversado com gente que vem criando conteúdo pop: youtubers, donos de gravadoras, criadores de sites. Fomos conhecer um pouco do trabalho do Fernando Augusto Lopes, que criou o blog, e descobrimos que a motivação dele ao criar o Floga-se foi bastante parecida com a nossa: escrever o que a gente gostaria de ler
POP FANTASMA: Como começou sua relação com a música? Você é jornalista? Era do tipo que curtia ler revistas e escrever em cadernos sobre o assunto?
FERNANDO AUGUSTO LOPES: Minha família sempre foi de ouvir muita música e não necessariamente música “popular”. Meu pai sempre foi do jazz e do blues, e curtia desde nomes consagrados até discos obscuros. Um dos passatempos dele era fazer fitas-cassete de todos os seus discos e dos nossos também. Esse lance meio de colecionador, de garimpeiro e de organizador acabou passando pra mim. Meu irmão é jornalista e herdou esse lance de garimpar, a gente ia às lojas do centro de SP buscar os discos que víamos e líamos na Bizz, na Melody Maker e na New Music Express, quando a gente conseguia uma banca que tivesse essas publicações gringas pra vender, senão era só a Bizz mesmo. E era um programa bacana de final de semana ir a essas lojas procurar LPs e descobrir outras coisas. Acabei me formando em Cinema e indo trabalhar com marketing, de modo que escrever sobre música virou um hobby que uniu toda essa história.
O que te motivou a criar o Floga-se? Você diria que sentia falta de algo e criou o que você gostaria de ler? Basicamente isso. Acho que é padrão nas histórias de nascimento de zines e blogues e sites. A pessoa quer escrever e publicar exatamente aquilo que gostaria de ler por aí e geralmente não encontra. O Floga-se nasceu em 2006 e de lá pra cá foi passando por muitos e muitos ajustes editoriais, até chegar ao que é hoje: um site de textos mais elaborados, tentando misturar história e lançamentos, bandas minúsculas e subterrâneas com bandas consagradas e populares. Dar o mesmo peso de importância pra bandas nacionais que ninguém dá bola e bandas que habitam a grande mídia. Mas o básico é: informar, dar opinião e contar histórias.
Você era daquela geração que montou blog lá por 2001, 2002? Como resolveu investir no formato? Desde que eu comecei a trabalhar com o marketing below the line, lá em 1996, a gente tentava colocar um site na comunicação das campanhas de incentivo. Era um troço bem moderno naquele momento, quase 100% das campanhas usavam comunicação impressa e a gente procurou esse novo caminho. Mais do que isso: a gente produzia os sites de modo caseiro, em FrontPage. Um troço bem amador e tosco, vendo em perspectiva, agora. Só que era o que tinha e acabou sendo sucesso. Os clientes queriam menos impressos e mais online.
É claro que o avanço da tecnologia e acesso a internet no Brasil ajudaram bastante, mas foi essa nossa insistência num formato não utilizado até então que me fez curtir esse negócio de escrever online. O Floga-se começou como um blogue no UOLblog. Eram textos engraçadinhos, metidos a descoladinhos, algo que parece ter sido feito por um adolescente, e vendo hoje eram até divertidos, embora bobocas. Só em 2010 é que migrei pro WordPress, acho que quase como todo mundo. No WordPress, o mundo de possibilidades aumentou muito e tals, principalmente na parte visual e na facilidade organizacional, o que deu um impulso ao Floga-se.
Hoje, não há uma única campanha ou comunicação que não se utilize de ferramentas online, aplicativos específicos, sites, disparos pra celulares, e-mail marketing, redes sociais etc. Daí que, embora ainda seja redator e criador, o Floga-se é minha única dedicação online específica hoje. Há muita, muita, muita, muita gente boa e especializada em tocar esse ferramental online.
Como você descobre músicas novas? Você costumeiramente descobre mais sons novos ou antigos? Isso é curioso, porque depende da fase. Por conta do Floga-se, recebo centenas de e-mails e indicações toda semana. Deve acontecer o mesmo no POP FANTASMA. Rola uma obrigação minha de ouvir tudo o que recebo. Acho que é o mínimo de consideração, mesmo que a pessoa que enviou não faça ideia que eu esteja ouvindo. Como o volume é grande, é difícil você apreciar música como se apreciava nos anos 80 e nos anos 90. A dedicação exclusiva à música ou ao álbum, qualquer álbum, requer que você deixe de ouvir uma outra novidade, porque o tempo é um só, afinal de contas. Então, eu provavelmente sou como qualquer pessoa nesse sentido, até mesmo pela idade e falta de tempo: acabo voltando àqueles discos que significaram alguma coisa na minha vida e esses discos estão ficando mais velhos, é inevitável. Os novos são raros de bater no coração, mas de vez em quando acontece. Um bom exemplo é a Aldous Harding. Vi um show dela numa fase muito boa pra mim e aquela música significou algo. Hoje, ela parece uma velha companheira.
Você escuta mais música depois das plataformas digitais? No que tua relação com as novas descobertas mudou? Você fica com mais discos acumulados? Faz tempo que parei de comprar discos. Ainda recebo CDs de bandas brasileiras e tals, mas sempre que posso, peço pra assessoria ou pra banda não mandar o disco físico. Sei que é caro pro artista, então prefiro que me mandem o link. Assim, vou ouvir, pelo menos uma vez. Minha ferramenta ainda é o iPod, embora isso pareça bem antigo hoje em dia. Como infelizmente ele quebrou, acabei, com bastante contrariedade, assinando uma dessas plataformas digitais. Então, acho que em questão de volume de música que eu escuto segue a mesma coisa do iPod pro streaming.
Não houve mudança de comportamento nesse caso. A única coisa que alterou foi que é um negócio a menos pra carregar no bolso, já que agora é só o celular. O que eu quero dizer é que as “indicações” das plataformas digitais não me atingem. Eu prefiro as indicações do Bandcamp, por exemplo, que parecem muito mais orgânicas e despretensiosas. Na página principal do Bandcamp eu acabo entrando em contato com muita novidade que não recebo no e-mail, muita coisa mesmo. Curiosamente, quando o disco é gratuito, eu baixo. Então, nesse sentido, sigo sendo um acumulador de MP3.
O Floga-se tem listas bem legais, como a das capas criadas por Peter Saville. Qual lista você está adiando há anos para fazer e nunca faz? Eu não curto muito listas, tirando aquelas de final de ano, de melhores álbuns do período, porque acho um belo serviço pro ouvinte vasculhar e descobrir coisas que deixou passar batido durante o ano. São listas úteis. As que eu coloco no Floga-se são mais por tiração de sarro, passatempo. Têm vida curta. Exceto quando elas são bem informativas, como essa do Peter Saville, ou aquela de dez resenhas que foram desmentidas pela história. Como a ideia delas vem de supetão, depois de ler algum artigo, depois de alguma conversa de bar, então não tem nada que eu esteja adiando.
Qual tua relação com o público do site? Muita gente comenta sobre discos que conheceu lá? Tem gente assídua no site, o que eu acho bizarro. Tenho um público fiel e isso é uma delícia. Eu escrevo pra esse público, não mais pra mim. Não é que eu faça concessões e tals – eu sempre vou escrever sobre um assunto que eu queira escrever, mas a forma é que deve ser pensando no público. Por “forma”, entenda a seriedade com que a coisa é feita, o apuro, o tão ético quanto possível, sem ofender minorias, sem ofender por ofender, algo que fui aprendendo e moldando com o tempo.
Nada contra quem faz blogue só pra conseguir ingressos de graça. Nada contra quem fica pedindo favores pra assessorias de imprensa, pra artista, pra casa de shows, pra produtores. Cada um faz o seu caminho, mas eu prefiro manter a distância mais razoável possível. Justamente porque o público percebe uma falsidade naquilo. O leitor sabe se você tá escrevendo sobre um disco que não ouviu, mas acabou escrevendo pra agradar o artista ou o selo ou a assessoria. Fujo ao máximo desse troca-troca de cliques e compartilhamentos.
Não me importo nem um pouco se escrevi sobre um disco e a banda não compartilhou meu texto. Não escrevo pra banda. Escrevo pra quem dedica alguns minutinhos do seu tempo pra ler o que escrevi. Essa pessoa merece meu esforço de fazer algo que considero de qualidade. E eu vejo que funciona quando as pessoas comentam que foram atrás de tal obra só porque leram no Floga-se. É gratificante poder funcionar como filtro pra algumas pessoas. São bem poucas, mas vale. E recebo também muita dica, o que são dicas mais preciosas do que e-mails oficiais. Se uma obra tocou a mente de alguém, tem possibilidade de tocar a minha, a sua, a de mais alguém.
Podcasts, webradios e rádios significam algo pra você hoje em dia? Sim. Acho um negócio legal ouvir gente falando, principalmente sobre música ou futebol ou política. Mesmo assim, ouço menos podcasts do que gostaria. É a tal falta de tempo… Já rádio, ainda ouço bastante, mas só de notícias. Escutar música nas rádios brasileiras é um suplício.
Em 2019, teve algum disco que especificamente chamou sua atenção? Eu citei a Aldous Harding e o disco novo dela, Designer, é ainda melhor do que o anterior. Vale demais. Achei interessante o novo Corrupted data, do Cadu Tenório. Tem o New atlantis, do Efdemin, o Motor activity, do Swiss Magnetic, cuja faixa-título é uma das mais legais e viciantes do ano. E tem o novo do Jair Naves, o Rente. A lista é grande.
Você já escuta música pensando em escrever sobre ela? Costuma ficar com muito material acumulado? Não costumo ouvir pensando em escrever. Até porque me daria palpitação no coração o desespero de não conseguir fazer a fila andar. É justamente o contrário, escrevo bem menos do que gostaria e o material só não acumula porque simplesmente deixo passar. E porque criei mecanismos pra atender certa demanda própria. Um delas é uma lista semestral com cinquenta discos nacionais no Bandcamp pra pessoas ouvirem, conhecerem, baixarem de graça. Discos de banda que saem do eixo Rio-SP, mostrando que tem muita coisa sendo produzida no Brasil afora, mas que não recebe a atenção mínima. Mesmo assim… sim, fica muita coisa sem eu dar a atenção que gostaria. Infelizmente. Eu precisaria de uma equipe muito grande pra dar vazão. E gostaria de pagar pra essa equipe, o que evidentemente é impossível.
Pensa em mais algo além do site? Tem vontade de criar um canal no YouTube ou algo assim? Não. Já tive um podcast com a Amanda Mont’Alvão, do Sounds Like Us, e com o Elson Barbosa, da gravadora Sinewave. Era o O Resto É Ruído, mas o podcast entrou numa hibernação prolongada e era a única coisa fora do Floga-se pra falar de música. Faria outro podcast, mas tem que ser com as pessoas certas, gente bacana como a Amanda e o Elson, e sobre mais do que música, sobre política também. O Floga-se é um site que fala muito sobre política, tentando analisar obras por um olhar político-social atual e tem funcionado com muito gosto pra mim. Só que acho essa pegada de um cara falando pra câmera , derramando opiniões, um negócio muito egocêntrico, sei lá, não funcionaria jamais comigo. Sou do bate-papo, do debate, da discussão.