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Fãs um do outro, Joni Mitchell e Prince têm seus baús revirados
Admiradores um do outro desde sempre, Joni Mitchell e Prince voltam às lojas (oi?) com dois lançamentos. Joni, em 28 de outubro, tem quase seis horas de gravações inéditas lançadas na caixa Joni Mitchell Archives Vol. 2: The Reprise Years (1968-1971). O lançamento de Prince, tirado direto do espólio do cantor (que morreu em 2016), já está nas plataformas e é Welcome 2 America, álbum de faixas inéditas, que inclui ainda uma inesperada versão de uma canção do Soul Asylum, Stand up and B strong.
O lançamento de Joni vem cheio de histórias, a começar por incluir uma gravação feita direto do palco por ninguém menos que Jimi Hendrix. O guitarrista estava em Ottawa, Ontario, Canadá, quando soube de uma residência de duas semanas que a cantora estava fazendo no Café Le Hibou, perto de lançar seu disco de estreia, Song to a seagull. Logo após terminar seu segundo show esgotado da mesma noite no Capitol Theater, ali bem perto, correu para o show de Joni levando um gravador de rolo. Ajoelhou-se em frente ao palco, para gravar os dois shows de Mitchell daquela noite.
Jimi Hendrix gravando o show de Joni Mitchell
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“Me disseram, ‘Jimi Hendrix está aqui, na porta da frente.’ Fui lá conhecê-lo. Ele tinha uma caixa grande. E me disse: ‘Meu nome é Jimi Hendrix. Sou da mesma gravadora que você, a Reprise Records.’ Ambos assinamos contrato no mesmo período. E ele continuou: ‘Eu gostaria de gravar seu show. Você se importa?’ Eu disse, ‘não, não mesmo.’ Havia um imenso gravador de rolo na caixa”, diz Joni em entrevista a Cameron, num texto publicado no encarte do set, afirmando que tocou parte do show direto para Hendrix, já que ele estava abaixo dela. “O palco era a apenas 30 centímetros do chão. Ele se ajoelhou na beira do palco, com um microfone, aos meus pés. Durante todo o show, ele ficou mexendo nos botões. Ele os estava manuseando, não sei bem o que estava controlando, talvez o volume? Ele gravou esta fita lindamente”, completou.
O problema é que a fita de Hendrix seria roubada poucos dias depois e dada como perdida. Foi recentemente descoberta em uma coleção privada que foi doada para a Library and Archives Canada (LAC) e devolvida à cantora. Além da gravação de Hendrix, o set inclui versões descartadas de músicas do disco cinquentão Blue, como os out takes de A case of you e California, já lançados no EP Demos & outtakes. Tem também a estreia de Joni no Carnegie Hall, gravada em 1º de Fevereiro de 1969, e o show no Paris Theatre, em Londres, em 29 de outubro de 1970, que tem participação de James Taylor na segunda metade.
Já o disco de Prince surgiu de uma descoberta feita pelo arquivista Michael Howe, no ano passado, na área em Los Angeles onde está todo o material do cantor. Howe achou três CD-Rs, cada um com um título e uma sequência de faixas escritos na capa pelo próprio Prince. Era um disco inédito do qual se falava havia tempos, mas sobre o qual nada se sabia. O material que hoje compõe Welcome 2 America foi gravado em 2010 no estúdio Paisley Park, e inclui coincidências em sua descoberta: foi achado na era dos protestos do Black Lives Matter e suas músicas têm vários comentários políticos.
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Uma reportagem da Rolling Stone aponta para o fato de ser o primeiro projeto inédito completo, que não inclui outtakes e versões alternativas, que é achado no espólio do cantor. Colaboradores de Prince no disco recordam que o popstar retornava em formato “econômico”: sem a multidão de assistentes que servia apenas para adulá-lo, que cercava Prince nos anos 1980. O estúdio estava quase vazio (em outros tempos, nomões da indústria da cultura como Kim Basinger andavam por lá) e o acesso ao cantor era bem mais tranquilo.
O grupo que acompanhou Prince no disco começou a ser montado em 2009 quando ele procurou um baixista chamado Tal Wilkenfeld, que havia conhecido durante um show no porão de casa, em Los Angeles. Prince mostrou várias canções para Tal em passeios de limusine, e pediu a ele que achasse um baterista para que montassem um trio. “Enquanto conversávamos, ele me disse o quanto amava Jimi Hendrix, então acho que ele começou a pensar nessa direção da música de trio”, contou Tal.
Chris Coleman, que havia tocado na turnê de “volta” do New Kids On The Block, foi o chamado. Mas à maneira de Prince, inicialmente não lhe foi revelado quem era o artista. Chris só soube depois, quando o cantor ligou para ele e pediu-lhe que pegasse um avião imediatamente, para passar três dias ensaiando. Shelby J. e Elisa Fiorillo, que ja haviam trabalhado com Prince antes, se juntaram à turma.
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E aí o disco ganhou músicas como Welcome 2 America, que fala sobre espionagem do governo americano e sobre como consertar o que há de errado no mundo. Running game (Son of a slave master) fala sobre racismo. E Same page, different book, sobre união das religiões e filosofias. A surpresa é Stand up and B strong, música de 2006 do Soul Asylum, que, por acaso, é uma banda de rock alternativo de Minneapolis. Prince havia gravado uma outra versão dessa faixa em 2007 com outra banda, e depois fez uma versão definitiva – que é a que está no álbum. Em 2010, durante uma visita da revista Ebony a Paisley Park (que rendeu uma reportagem), jornalistas ouviram a faixa.
Depois de certo momento no processo de gravação – os músicos recordam – Prince começou a parecer mais com ele mesmo, e deixou rolar certos esquemas de exploração nas gravações. Os músicos não sabiam direito quanto tempo mais o disco demoraria, e ainda podiam ser chamados a qualquer momento para retornar ao estúdio, na base do “pegue um avião amanhã e esteja aqui”. A galera também levava puxões de orelha quando deixava de anotar alguma coisa (em cadernos ou iPads). Enfim, foi tenso e demorou, mas o disco saiu.