Notícias

Entrevista: Dave Faulkner (Hoodoo Gurus) fala sobre shows no Brasil, disco novo e independência

Published

on

Quando parecia que todos os discos do mundo podiam ser escutados nas plataformas digitais (exagero…) faltava uma discografia: a da banda australiana Hoodoo Gurus. O grupo liderado pelo cantor, guitarrista e compositor Dave Faulkner apareceu no Spotify, no Deezer e onde mais você puder imaginar, apenas no ano de 2018. “Não estávamos satisfeitos com os acordos que estavam sendo oferecidos para royalties de streaming, então adiamos”, conta Dave ao Pop Fantasma. A chegada da música do grupo no mundo digital trouxe novidades: houve relançamentos em vinil colorido e até um disco novo, Chariot of the gods (2022). E é o álbum mais recente que traz a banda ao Brasil em abril, depois de 25 anos sem fazer show por aqui.

O quarteto retorna com formação modificada: Dave, Brad Shepherd (guitarra) e Rick Grossman (baixo) têm agora a companhia de Nik Rieth (bateria). Vão passar pelo Rio (dia 14),  São Paulo (12), Porto Alegre (13), Curitiba (15) e Florianópolis (19). A mescla de pós-punk e power pop dos Hoodoo Gurus costuma ser chamada de surf music por fãs e críticos – por acaso, o show tem até ingresso “Surfista solidário”, que dá meia entrada para quem levar um acessório de surfe para doação. Mas na conversa com a gente, Dave falou até um pouco das origens da banda no punk australiano, época em que chegaram a ter uma formação bastante peculiar, com três guitarras e nada de baixo. Também revela que a inspiração para compor vem em momentos bem diversos do dia – se você der uma volta pela Austrália e deparar com um sujeito parecido com Dave cantando no microfone do celular enquanto faz compras, é ele mesmo.

(perguntas: Ricardo Schott e Luciano Cirne)

Como foi o processo de criação das músicas de Chariot of the Gods? E por que demorou tanto para um novo disco do Hoodoo Gurus ser lançado?

A maior razão para isso foi ter Nik Rieth como nosso baterista. Depois que Mark Kingsmill se aposentou, tivemos que decidir se queríamos continuar. Sua bateria fazia tanto parte do nosso DNA musical que nem tínhamos certeza de que poderíamos continuar e ainda nos sentir como nós mesmos. Reconhecemos que, embora Mark seja insubstituível, Nik conseguiu trazer um novo sabor ao nosso som, trouxe um caráter ligeiramente diferente à nossa música. Ainda estamos evoluindo como banda.

Todas as músicas são novas, exceto Settle down, que escrevi na época de Mach schau (disco de 2004 da banda). Dito isso, muitas das músicas surgem de riffs ou melodias que acumulei ao longo de muitos anos, às vezes décadas. Ideias musicais aleatórias surgem em minha cabeça em momentos estranhos durante o dia, como quando estou fazendo minha caminhada matinal ou indo às compras. Eu costumo cantar no meu celular usando a função de memorando para não esquecer as ideias. Quando finalmente decido que há um álbum que quero fazer e coloco mãos à obra, volto àqueles pequenos esboços e escrevo canções completas a partir das que ainda “falam comigo”.

Então, algumas músicas podem ter sido formadas pela metade e gestadas por anos, enquanto outras se juntaram muito rapidamente. Por exemplo, pensei no riff de guitarra principal de Answered prayers quando voltava do ensaio para casa. Eu imediatamente parei o carro no acostamento e cantei a melodia no meu telefone. No ensaio do dia seguinte, começamos a desenvolver o arranjo rítmico e, na manhã seguinte, as letras surgiram em uma explosão criativa. Essa música saiu tão rápido que quase me senti como um espectador no processo.

Moro na cidade de Niterói, onde você fez um show em 1996. Estive lá e foi um dos melhores shows que já vi. Você se lembra desse show? Se não, que lembranças você tem da turnê pelo Brasil?

Temos tantas memórias incríveis! As belas paisagens e as pessoas bonitas estão em primeiro lugar, seguidas de perto pela boa comida – gostamos muito das nossas experiências em churrascarias, bem como dos excelentes frutos do mar. Quanto aos shows em si, adoramos a energia e o entusiasmo do público (abaixo, a banda tocando no Rio em 1997).

Você se tornou crítico musical do jornal Saturday Paper. Sua relação com críticos e jornalistas mudou por causa dessa experiência do outro lado?

Eu definitivamente aprecio a trabalheira que as pessoas têm para ficar por dentro de todas as novas músicas que saem toda semana. Bem como o esforço necessário para escrever algo bem desenvolvido. A melhor parte de fazer isso, foi descobrir a alegria de trabalhar com editores talentosos, que sempre verificavam fatos. É um lado do negócio que quem está de fora não consegue ver. Minha relação com os jornalistas não mudou porque sempre respeitei o trabalho deles. Quando eu era jovem, o jornalismo musical me ajudou a descobrir muitos artistas que me influenciaram para sempre.

Hoodoo Gurus passou por várias gravadoras durante sua carreira. O que você mais aprendeu com as experiências que teve com eles?

Em 1988 tivemos que processar nossa primeira gravadora. Foi uma experiência difícil que nos custou muito tempo e dinheiro, mas que depois nos deu total liberdade e recuperamos a propriedade de nosso catálogo musical. Depois disso, assinávamos com qualquer gravadora por tempo determinado, mantendo a propriedade de qualquer música que gravássemos e lançássemos durante a vigência do contrato. Então poderíamos procurar um acordo melhor com uma nova gravadora quando o contrato expirasse. Isso significa que temos controle absoluto sobre todas as facetas de nossa carreira. Desde o processo, nunca mais cedemos o controle a uma gravadora.

A propósito, o selo Big Time (que lançou LPs clássicos do grupo) havia fechado, mas voltou para seus relançamentos e para o novo álbum do Hoodoo Gurus. Como o selo ressurgiu?

Agora SOMOS a Big Time Fonographic Record Company. Aqui está uma explicação técnica de como isso aconteceu: depois de ganhar nosso processo em 1988, essa empresa foi deixada como uma casca vazia pelo proprietário (portanto, não conseguimos recuperar nenhum dos custos que nos foram atribuídos no julgamento). Ele logo entrou em falência e pudemos comprá-lo do liquidante. Quando assinamos nosso último contrato com a Universal Music, nos tornamos uma gravadora independente e decidimos usar o nome Big Time como uma espécie de vingança depois de todos esses anos.

Os álbuns do Hoodoo Gurus entraram nas plataformas digitais apenas em 2018. Por que a demora? Houve alguma insatisfação com royalties ou algo assim?

Você entendeu exatamente. Não estávamos satisfeitos com os acordos que estavam sendo oferecidos para royalties de streaming, então adiamos. A Universal Music fez um ótimo contrato com a gente e nos fez mudar de ideia, mas acima disso, eles estavam extremamente motivados para trabalhar conosco e foram muito criativos em sua abordagem ao nosso catálogo de músicas. Foi ideia deles relançar todos os nossos álbuns em vinil, alguns dos quais nunca haviam sido lançados em vinil antes, e eles também ficaram muito entusiasmados em promover nosso último álbum. Adoramos trabalhar com eles.

No começo vocês eram uma banda com três guitarras e nenhum baixo, quando gravaram o single Leilani. Era uma formação bastante incomum. Por que a banda tem essa formação? A ideia era fazer uma espécie de música experimental no começo?

Não, não estávamos pensando que estávamos sendo experimentais, apenas não achamos que isso importava. The Cramps e The B-52s não tinham baixistas desde o início e nós adorávamos as duas bandas. Além disso, não estávamos pensando em tentar fazer carreira na música – não foi planejado.

Estávamos apenas nos divertindo. Acontece que nenhum de nós tocava baixo e achávamos que um quinteto era grande demais. Então, três guitarras sem baixo era o jeito que tinha que ser. Foi somente quando Kimble (Rendall, guitarrista) e Rod (Roddy Radalj, também guitarrista) saíram que tivemos que decidir se substituiríamos um deles por um baixo, em vez de preservar nossa imagem de “três guitarras”. O fato é que nossa música precisava de um baixo para dar mais força e ajudar a unir a bateria com as guitarras. Adicionar um baixo foi a peça final do quebra-cabeça.

Quem são os maiores compositores do mundo, na sua opinião? E quem são os maiores influenciadores da música do Hoodoo Gurus?

Essa é uma pergunta impossível de responder. Todos nós temos gostos muito amplos e ouvimos uma grande variedade de músicas. Tudo isso nos influencia como indivíduos, mas, sinceramente, o próprio Hoodoo Gurus (nós quatro juntos) é a maior influência sobre nossa música. Não é algo que você possa estudar ou dissecar – é só que, quando a mágica acontece, todos podemos reconhecê-la.

Trending

Sair da versão mobile