Entrevista
Entrevista: Astro Venga volta com EP e anuncia nova formação
Conhecida pelos poderosos shows realizado em lugares públicos do Rio, e por unir repertório autoral a covers repletas de peso, a banda instrumental carioca Astro Venga retorna com Mvtatis, EP de duas faixas, Objeto abjeto e O lobo e o leão (esta, com quase oito minutos). Por acaso, o nome do disco vem da expressão em latim “mutatis mutandis” (“mudando o que se deve ser mudado”), e marca algumas modificações na vida do grupo.
Pra começar, Christian Dias (guitarra), Antonio Paoli (baixo) e Jonas Cáffaro (bateria), que gravaram o material no Estúdio Soma+lab, em Campos dos Goytacazes (RJ), antes da pandemia, aproveitaram para explorar bastante o estúdio como um instrumento – indo bem além da experiência da banda como um “power trio de rua”, que na verdade já passou até pelo Rock In Rio, em 2015 e por palcos como o Circo Voador. Construíram um repertório cheio de climas, com passagens quase progressivas. Percussões e violões surgem para dar mais brilho no som.
A outra mudança é na formação: Mvtatis (lançamento do selo Caravela Records) fecha um ciclo, já que Christian sai do grupo e dá lugar a Dony Escobar (Os Vulcânicos, Matanza), que foi um dos fundadores da banda. Com isso, Mvtatis vira um registro único da formação de Christian, Antonio e Jonas, e o novo trio já parte para novos projetos. Batemos um papo rápido com Antonio Paoli sobre as novidades do Astro Venga. Confira aí (Foto: Fernando Valle/Divulgação).
As duas músicas novas foram gravadas entre 2019 e 2020, e depois veio a pandemia. Como foi deixar esse material guardado por tanto tempo?
Antonio Paoli: O pior não foi só ter guardado o material na pandemia, que já foi uma coisa horrorosa. Foi ter material novo e não poder lançar porque estava com esse EP preso.
A banda está mudando de formação. Como tá sendo lidar com esse clima de chegadas e partidas no grupo, e como estão indo os ensaios?
A troca foi muito tranquila porque o Doni já era o fundador da banda. Então foi praticamente a volta do integrante que fundou a parada. Nesse processo de entrada dele, aproveitamos para redirecionar a banda. Isso porque (citando as músicas do disco) O lobo e o leão apontam para o passado e Objeto abjeto mostra o caminho futuro da banda: mais harmônico, mais colorido, com menos solos, mais temas… Com a entrada do Doni, a gente tá podendo desenvolver isso melhor.
É isso o que está por trás dos títulos das faixas, então…
O lobo e o leão é uma despedida do Chris e um olhar para o passado, uma homenagem a tudo que a gente fez, mas quem aponta os caminhos futuros é o Objeto abjeto. Há muita liberdade na escolha dos títulos. Como não há letra, a gente pode viajar em aliterações e títulos interessantes. As próximas músicas por exemplo que vamos lançar no segundo semestre, vai aí o spolier, são Zoroastro, do Doni, e a Astrodeus, minha. Sempre há alguma mensagem incutida nesses nomes.
Como surgiu a Caravela Records na história? E sobre os próximos shows?
O Dudv da Caravela Records é uma pessoa que acompanha a banda desde os primórdios, tá sempre com a gente e é um apoiador da música autoral. A gente não viu outro jeito se não fazer com a Caravela. Sobre os shows, estamos desenvolvendo algo dentro desse novo formato que pretendemos passar, inclusive com músicas novas além das músicas do EP.
Vocês fizeram parte de uma geração de bandas que tocavam na rua, em eventos ao ar livre, ou em praças. Qual foi o maior aprendizado que veio disso? Houve alguma roubada inesquecível?
Foi muito profícuo o nosso momento na rua. Quase não consigo lembrar de alguma coisa que tenha sido muito furada. O interessante foi meio que educar os guardas municipais e a PM de que havia uma lei que nos garantia de estar ali. Era muito interessante ver que quando nós apresentávamos a lei a eles, eles tiravam foto e mandavam para o batalhão falando da legalidade da ação. Os perrengues ficaram ofuscados pelo carinho recebido das ruas.
O maior aprendizado da rua foi descobrir que o povo consome a arte independente do estilo. E o povo, muito dependente da mídia de massa, fazia da rua um canal para a gente ir diretamente até ele. A gente viu que não há problema nenhum em tocar rock ou tocar um estilo diferente do habitual do país, porque as pessoas vão consumir a cultura.
Como eu disse, independente do estilo a gente tinha uma ponte muito interessante que era a questão das versões que a gente fazia de músicas que estão no inconsciente coletivo mundial. Sempre com um toque autoral muito presente.
Falando nas versões, que eram de músicas como Nuvem cigana (Milton Nascimento), Sítio do Pica-Pau Amarelo (Gilberto Gil), como era a receptividade do público? Acontecia de alguém ser surpreendido com alguma versão e aquilo ser tão inusitado que a pessoa nem reconhecia a música de cara? (pergunto isso porque eu mesmo, quando ouvi Sítio do Pica Pau Amarelo com vocês, fiquei com o riff na cabeça, pensando por alguns segundos ‘gente, de que música é isso?’, e não reconheci de cara)
A ideia de fazer esses medleys foi muito pela intenção também de alcançar um público eclético, em faixa etária e social diferentes. Então a gente via jovens, idosos, pessoas em situação de rua, engravatados, todos se divertindo e dançando. Esse era o nosso público nos espaços públicos, o mais variado possível.
Sobre Nuvem cigana, foi uma coisa muito especial porque todos somos muito fãs de música mineira, e era bem difícil você colocar aquela música dentro no universo de um power trio de rock. Mas acho que o resultado ficou bem interessante. Como eu disse, essa foi nossa primeira ponte com um público, mas isso não impedia da gente tocar as nossas autorais e ser consumido da mesma maneira.
E tinha os medleys, como o do Sítio com Red, do King Crimson, não?
O autoral foi sempre muito presente na banda, então quando a gente meteu a mão para mexer nas versões, isso veio muito naturalmente. Foi até o cerne de várias músicas depois que a gente foi compor. E essa brincadeira de você levar uma música infantil como o Sítio do Gil e colar ela no Red, é diferente e divertido. Então sempre foi um prazer trazer essas músicas para o nosso universo. Temos como base nas nossas influências um tipo de música que seria punk no tamanho e progressivo na forma, com adição de funk de anos 90 e groove swing.