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E os 50 anos de Young, Gifted and Black, de Aretha Franklin?

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O visual afro, religioso e futurista da capa de Young, gifted and black, que naquele 24 de janeiro de 1972 já era o décimo-oitavo disco (!) de Aretha Franklin, indicava um ressurgimento. A rainha do soul lançava um de seus melhores discos numa época cheia de novos acontecimentos nos Estados Unidos. A Guerra do Vietnã ainda estava em curso, o movimento Black Power ganhava força midiática e musical, a luta dos afro-americanos pelos direitos civis gerava discussões, revoltas e produtos culturais (1972 foi o ano do “Woodstock negro”, Wattstax). E a cantora, que liderara as paradas com uma canção que viraria hino de afirmação (Respect, escrita por Otis Redding), vinha passando por um período de lutas internas.

A vida pessoal começava a entrar nos eixos. Aretha terminara em 1969 um relacionamento conturbado com um ex-marido controlador e violento (Ted White), que por acaso foi seu empresário. Começou um namoro-casamento com Ken Cunningham, seu tour manager. Passou a cuidar mais da saúde e iniciou novas direções musicais. Foi nesse clima de renascimento pessoal e musical que ela fez o famoso show no Fillmore West, meca roqueira, em 19 de maio de 1971. O show virou LP lançado pela Atlantic Records, e trazia Aretha ao piano elétrico, acompanhada por um time que incluía músicos como Bernard Purdie (bateria), Billy Preston (teclados) e King Curtis (sax, regências) – a morte deste último, em agosto daquele ano, deixaria Aretha bastante abalada.

Em novembro de 1971, os fãs de Aretha veriam uma curiosa apresentação da cantora no programa The David Frost Show. O roteiro previa que Aretha fosse entrevistada por Frost: um risco, já que a cantora não era das mais falantes e costumava responder perguntas enormes com “sim”, “não”. Para pautar o apresentador, um produtor fez uma entrevista prévia com Aretha, extraiu dela respostas bem simpáticas e avisou Frost que a cantora estava “mais falante”. Segundo o livro Aretha Franklin: The Queen of soul, de Mark Bego, nem tanto. Na hora da entrevista de fato, a cantora ficou inibida e foi lacônica nas respostas,mas fez um show acachapante e deixou Frost feliz da vida. Não encontramos esse momento no YouTube.

Foi nesse clima de renascimento e paz amorosa que surgiu Young, gifted and black. O álbum está impregnado do clima de orgulho pessoal. Isso aparecia na capa, no título, na faixa-título, na autoconfiança transmitida pelos vocais, no groove de Rock steady, em letras como A brand new me, na regravação esperançosa de The long and winding road (Beatles). Aretha falava que “a revolução negra ensinou a gente a ter um olhar mais generoso sobre nós mesmos, a nos amarmos como somos”.

Em meio às canções autorais de Aretha Franklin, o repertório incluía nomes como Otis Redding, Elton John & Bernie Taupin (Border song), Burt Bacharach & Hal Davis (April fools), Nina Simone & Weldon Irvine (a faixa-título, que já havia ganhado versões de Donny Hathaway e até de Elton John, numa demo do cantor e pianista). O tom gospel que marcara o som de Aretha estava lá, intacto, e ela dizia em entrevistas que “nunca ter perdido a fé” a ajudou a passar por várias tempestades no fim dos anos 1960.

No Brasil, onde o disco foi lançado em 1972 (pela Philips, que costumava usar o selo Atco para lançamentos da Atlantic), o álbum teve enorme impacto. E além da qualidade das músicas e das interpretações (e do piano) de Aretha, Young, gifted and black sempre será lembrado pela assustadora lista de músicos: Donny Hathaway (piano), Dr John (percussão), Billy Preston (órgão), Memphis Horns (metais) e os vocais do Sweet Inspirations (girl group que tinha como integrante Cissy Houston, mãe de Whitney).

Young, gifted and black foi premiado com um Grammy no ano seguinte. E nem foi o único lançamento de Aretha há 50 anos: a cantora se aproximaria ainda mais de suas raízes gospel no duplo ao vivo Amazing grace, gravado ao vivo em duas noites numa igreja batista em Los Angeles. A gravação do disco renderia um documentário dirigido por Sydney Pollack, que esperaria mais de 40 anos para ser terminado. Aretha, morta em 2018, teve uma carreira duradoura, e há cinco décadas, seu renascimento gerou vários frutos que ninguém esquece.

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