Cultura Pop
E os 50 anos de 666, do Aphrodite’s Child?
Provavelmente poucos textos ou vídeos sobre discos cinquentões vão lembrar de 666, terceiro e último disco da banda grega de rock progressivo Aphrodite’s Child, lançado em junho de 1972. Esse disco aí embaixo.
Unindo rock progressivo, psicodelia, música grega e, nas letras, uma espécie de lado B da Bíblia Sagrada, o álbum era forte e tenso o suficiente para assustar até mesmo a gravadora do grupo, a Mercury, que não queria lançá-lo e deixou o disco pegando poeira por mais de um ano. O grupo formado pelo já saudoso Vangelis Papathanassiou (teclados e vários instrumentos), Demis Roussos (voz, vários instrumentos), Loukas Sideras (bateria) e Silver Koulouris (guitarra) chegou a fazer uma festa comemorativa de um ano de “não-lançamento” do álbum. A Mercury achava o álbum duplo tão complexo e assustador que não queria lançá-lo nem numa versão redux. Sobrou para o selo Vertigo, mais ligado a coisas estranhas e progressivas, e ligado à gravadora.
666 conseguiu fãs importantes de primeiríssima hora, como Salvador Dali (que estava presente na tal festa dada pela banda, e adorou o disco). Mas a verdade é que a vontade da banda, de lançar um disco conceitual quase “cinematográfico”, com letras feitas pelo cineasta Costas Ferris, tinha ido longe demais, para os padrões comerciais da época. O plot do álbum já seria experimental demais se fosse levado para as telonas: um espetáculo de circo baseado no Apocalipse é apresentado para uma plateia, enquanto o Apocalipse de verdade rola “lá fora”. No meio das gravações, tensões começaram a rolar entre os integrantes (todos, menos Vangelis, queriam que a banda focasse em canções mais comerciais), e entre a banda e a Mercury/Vertigo.
O resultado foi um projeto quase-solo de Vangelis, que compôs todas as músicas, em parceria com Costas, com sonorização do Aphrodite’s Child – aliás o mesmo expediente ao qual Roger Waters recorreria em The final cut, disco do Pink Floyd de 1983. 666 foi lançado pela Vertigo quando a banda já nem existia mais, e Vangelis e Demis Roussos já estavam em carreira solo. Break, a mais comercial do disco, encerrava o álbum e nem sequer foi lançada como single. Já a progressiva e ligeiramente funkeada The four horsemen saiu em compacto.
Curiosamente, muito da influência de 666 poderia ser visto em bandas que não necessariamente são de heavy metal ou progressivo. Dá pra ver ecos de músicas como Babylon em bandas como Blur, Oasis e The Verve (Richard Ashcroft é fã do disco, por sinal). O tema mais complexo do disco, com dezenove minutos, era All the seats were occupied, que quase servia como uma revisão de tudo o que o ouvinte havia experimentado até ali. A veterana atriz grega Irene Papas, que havia iniciado uma carreira de cantora em 1968, fazia vocais em ∞ (Infinity).
Quem conheceu 666 no Brasil em 1972 conheceu só uma parte do álbum – a Philips lançou o disco aqui em versão simples, com vários temas instrumentais faltando, com capa mudada para a ilustração da arte interna e título mudado para Break. Essa edição é considerada rara (um exemplar custa mais de R$ 150). O disco importado foi um item querido dos fãs de rock progressivo por vários anos. Hoje 666 é um clássico que merecia ser bem mais lembrado.