Cultura Pop
E o álbum de 1972 de Paul Simon?
Em maio de 1970, ainda fazendo dupla com Art Garfunkel, Paul Simon anunciava que sua principal preocupação era compor “boas canções”. E o que o compositor, que no verão de 1971 daria aulas de composição na Universidade de Nova York, queria dizer com isso aí? “Apenas uma música que toca em algum assunto, ou é engraçada, ou é triste, ou tem uma boa melodia, ou tem uma boa linha”, dizia à Rolling Stone, complicando mais do que explicando.
Simon, no entanto, deixava claro que achava possível ensinar alguém a fazer sua própria música. “O que posso fazer principalmente é dizer a eles o que aprendi, que é entrar no estúdio e dizer: ‘vamos fazer isso, vamos mexer nessa música’. Você tem que ver que problemas irão surgir quando você entrar no estúdio e fizer uma canção. De outra forma, você estará nas mãos da gravadora e estará perdido”, contou.
Por volta dessa época, Simon já estava prestes a dar adeus à dupla com Garfunkel. Pouco depois, trabalharia nas canções de Paul Simon, que era na verdade seu segundo disco solo (ele já havia gravado The Paul Simon songbook, em 1965, mas fez tão pouco sucesso que mal era lembrado). A nova fase do cantor causava desespero em Clive Davis, chefão da Columbia que contratara a dupla e que resolvera folgar com Simon, dizendo que ele solo jamais seria tão ilustre quanto ele foi acompanhado de Garfunkel.
O tal disco epônimo do cantor (lançado em 24 de janeiro de 1972) nem sequer tinha essa pretensão. Era basicamente um (grande) disco de compositor e violonista, focando em letras criativas, com temas bem mais incômodos e existenciais do que na época da dupla, e apresentando experimentações musicais que não maculavam o lado pop do álbum.
O universo de Paul Simon trazia muita dor e inadequação. O single Mother and child reunion, reggae gravado na Jamaica com a banda de Jimmy Cliff, fala sobre morte. Duncan, cheia de referências religiosas, conta a história de um filho de pescador que deixa todo seu passado para trás.
O maior hit do disco, Me and Julio down by the schoolyard, falava de maneira misteriosa sobre dois garotos que “quebraram uma lei” e vão presos – mas era um samba-folk alegre, marcado pela cuíca (!) e pelo surdo do brasileiro Airto Moreira. O rodízio de músicos do disco mostrava o quanto Paul estava interessado em tornar seu trabalho cada vez mais diversificado – além das feras do Wrecking Crew que já tocavam com ele e Garfunkel, havia jazzistas como Ron Carter (baixo) e Stephanie Grappelli (violino).
Run that body down vale como uma aula de storytelling em música – Paul, cujo casamento estava desmoronando, começa a canção falando sobre uma ida ao médico, que se transforma numa reflexão sobre vida conjugal, e cita nominalmente o compositor e sua esposa. As feridas emocionais estão igualmente na balada blues Congratulations e no folk de voz e violão Everything put together falls apart. Ou nas memórias de “supostos amigos” de Paranoia blues.
No Brasil, a sonoridade de Paul Simon deu eco no pop adulto de artistas como Dalto, Guilherme Arantes e Gilberto Gil. A complexidade pop de Simon o colocou num patamar diferente, por exemplo, de Neil Young e Bob Dylan, dois cantautores cujas conexões com o mundo pop-rock pós-1977 ficaram mais claras. E gerou vários outros discos e mudanças de rota, como o interesse por música sul-africana e pelos ritmos do Olodum, após os anos 1980. Ou a tentativa fracassada de fazer um musical, The capeman, nos anos 1990.