Cultura Pop

E “Here come the warm jets”, estreia solo de Brian Eno?

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“Eu passei um bom tempo”, chegou a dizer Brian Eno certa vez, em 2005, 31 anos após lançar seu primeiro disco solo, Here come the warm jets (lançado em 8 de fevereiro de 1974), “tentando entender qual o ponto que existe em ser um artista. Do que isso serve para nós, para mim? De que serve para qualquer pessoa? Podemos viver sem isso? É um trabalho útil? Faz alguma diferença para o mundo? São respostas que me afetam diretamente porque não sou desonesto intelectualmente com relação a nada que funcione a meu favor”.

Não-músico milenar, responsável pelo suporte técnico e pelos ruídos de sintetizador (e efeitos) no som do Roxy Music, Brian Eno estava bastante atarefado entre 1973 e 1975, com vários projetos sendo anunciados (alguns realizados, outros deixados de lado com o tempo). Além de algumas contribuições para amigos, como os sintetizadores de Fear (1974), disco de John Cale, ex-Velvet Underground. Ao sair do Roxy Music, descobriu que precisava urgentemente gravar algo para cobrir dívidas da época da banda. Mesmo tendo vindo de um álbum bastante experimental feito ao lado de Robert Fripp, (No pussyfooting), de 1973, Eno resolveu fazer um disco mais convencional e mais “roqueiro”, ligado ao glam e ao art rock da época.

Como era habitual em seu trabalho, o processo precedia a composição – e as músicas eram encaixadas numa ética de trabalho que ele havia bolado previamente. O art pop do álbum (cujo título, jura Eno, não vinha de nenhuma sacanagem glam e se referia à “guitarra a jato quente” que ele tocava na faixa-título) foi feito a partir do encontro de Brian com nada menos que 16 músicos que, pelo menos na época, pareciam soar bem diferentes uns dos outros. Tocaram em Warm jets John Wetton (baixo), Chris Spedding (guitarra), Simon King, da banda prog-pré-punk Hawkwind e quase todo o Roxy Music (menos o rival Bryan Ferry).

Não houve sequer tempo para Eno pensar se era um bom letrista ou um bom compositor: em vez de letras encaixadas em música ou algo do tipo, boa parte das canções nasciam de balbucios e as letras eram feitas quando o autor já tinha uma demo gravada em estúdio. “Eu pegava sons e os transformava em palavras”, disse. Anos depois, Eno diria que seu approach não era diferente do de um pintor (“você está trabalhando direto com a canção, e o pintor trabalha direto com o material que usa”). Mas a ideia ali era fazer um álbum o mais próximo possível da ideia de canção pop. Ainda que canções do disco, como Needles in the camel’s eye e Baby’s on fire, mesmo sendo bem cantaroláveis (a primeira lembra quase uma cantiga infantil) sejam bem mais ruidosas que o normal até mesmo do art rock.

Músicas como The paw paw negro blowtorch pareciam adiantar o pós-punk antes do punk. On some faraway beach e Cindy tells me tinham dramaticidade equivalente a dos discos de David Bowie com os quais Eno estaria envolvido. Já Driving me backwards, Blank Frank (com andamento herdado de Bo Diddley) e a faixa-título, eram o lado experimental do álbum – e experimental no sentido de que ali nascia o Brian Eno que depois viraria produtor de bandas como U2 e o próprio Bowie, criando paisagens sonoras através de canções. Em meio a climas “ambientais”, células de doo wop e de pop sessentista (que o próprio Bowie adotaria em discos como Heroes, de 1977).

Brian continuaria numa linha mais acessível em seu segundo disco solo, o pseudo-conceitual Taking Tiger Mountain (By strategy) lançado em novembro daquele mesmo ano. Another green world, de 1975, foi a entrada no minimalismo e nos sons que pareciam a porta de entrada para um novo ambiente, mais sintetizado – levando ao público o Eno que provavelmente muita gente tem em mente nos dias de hoje. Vale conhecer as fases mais antigas, tão desafiadoras quanto as mais recentes.

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